Texto de Paula Johns, socióloga e diretora da ACT Promoção da Saúde.

Depois do rolo compressor da reforma da previdência e da reforma trabalhista, que trouxeram perdas e retrocessos para trabalhadores – o Brasil está diante de mais uma reforma estruturante, a tributária. E um dos pontos que merece a atenção de quem luta contra a fome, por bem-viver e por sistemas alimentares mais justos, saudáveis e sustentáveis, diz respeito a como a reforma vai tratar dos impostos sobre alimentos. Um spoiler: a indústria de ultraprocessados está jogando pesado em defesa de seus interesses comerciais, querendo confundir o debate público, e é importante estarmos conscientes sobre essa disputa e unidos, para não sermos tratorados mais uma vez.

O que todos sabemos: milhões de pessoas passam fome no Brasil, situação que acomete sobretudo famílias nas regiões rurais, mulheres negras e crianças. Apenas o dado sobre insegurança alimentar pode nos levar à constatação óbvia de que os alimentos deveriam ser mais acessíveis à população, a preços mais baixos, e o governo deveria fazer de tudo para baixar o preço desses alimentos, inclusive abrir mão dos impostos. Só que, além da fome, temos também um outro quadro preocupante: o do aumento do consumo de produtos ultraprocessados e aumento de doenças crônicas não-transmissíveis como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e doenças renais, males que tem como um dos principais fatores de risco a alimentação inadequada. Fora o sofrimento imediato aos pacientes, essas doenças devastam famílias, corroem a capacidade de trabalho e renda e aprofundam desigualdades sociais.

Ao invés de alimentos que nutrem, produtos alimentícios que adoecem a médio e longo prazo. O refrigerante que substitui o suco da fruta, o biscoito recheado que aposenta a tapioca, entra a lasanha industrializada, sai o arroz e feijão. A substituição da dieta tradicional por ultraprocessados – esses compostos alimentares cheios de sal, açúcar, gordura e aditivos – têm consequências individuais e sociais nefastas, mas é altamente lucrativa para a indústria.

A indústria de ultraprocessados x saúde pública

A solução para este impasse precisa ser coletiva, mas os interesses contra a saúde são poderosos. Durante o governo Bolsonaro, a indústria de ultraprocessados, aliada a setores do agronegócio, tentaram sabotar, por meio do Ministério da Agricultura, o Guia Alimentar para a População Brasileira, que diferencia os alimentos conforme o grau de processamento, e recomenda evitar ultraprocessados. Frutas, verduras e legumes não são iguais a salsicha, miojo e salgadinho de pacote, e essa classificação – criada por um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo- é hoje utilizada por instituições de pesquisa em todo o mundo.

No contexto da reforma tributária, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) participou recentemente de uma audiência pública e tentou ridicularizar as pesquisas sobre “ultraprocessados”, sustentando uma narrativa negacionista e perigosa de que seus produtos podem sim saciar a fome de brasileiros. Estudos assinados por pesquisadores com histórico de atuação junto à indústria tentam dissociar obesidade e alimentação. E estão querendo emplacar a ideia de que seus produtos devam ser tratados como os demais alimentos in natura, como se biscoito recheado e verduras fossem a mesma coisa. A rede Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável acabou de lançar uma nota minuciosa, em que responde e rebate cada uma das falsas alegações da indústria, que vale a pena ser conhecida na íntegra.

Campanha na mídia

Nesse contexto, a ACT Promoção da Saúde e a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável estão lançando uma campanha que alerta a população sobre os riscos à saúde dos produtos ultraprocessados. Sabemos que não é nada fácil enfrentar a narrativa hegemônica da publicidade, que busca promover produtos ultraprocessados, atiçar o desejo, e o poder do marketing e da logística das indústrias – cuja cadeia de distribuição e comércio dá acesso a ultraprocessados desde as grandes capitais até áreas rurais distantes e inacessíveis do país. Mas estamos nos ombros de gigantes, aumentando a visibilidade de pesquisas científicas que mostram a associação desses produtos a doenças graves.

Ultraprocessados são o novo cigarro – que durante tantos anos foi normalizado em nossa sociedade pela indústria, publicidade e conivência dos governos, enquanto adoecia e matava. Não vamos repetir os erros do passado. O Estado precisa assumir a garantia da saúde de brasileiros e brasileiras, e assumir seu papel regulatório, favorecendo o consumo do que faz bem, e dificultando o acesso de produtos que fazem mal. Convidamos a todos e todas que entrem no site da campanha doceveneno.org.br, conheçam nossos materiais, e assinem a petição que pede tributação mais alta para ultraprocessados. Precisamos de medidas que protejam a saúde da população!