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A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) quer que o Poder Judiciário suspenda, por tempo indeterminado, o cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou mesmo extrajudiciais. A reivindicação é uma das oito medidas defendidas pela Conaq, em nota pública às autoridades brasileiras, para que os quilombolas possam enfrentar a pandemia do coronavírus em suas comunidades.

Recentemente, o governo Bolsonaro publicou uma resolução que anuncia a remoção e o reassentamento de famílias quilombolas no Maranhão, e poderá atingir 800 famílias de 30 comunidades dos descendentes de escravos que habitam a região desde o século 17. Não foi anunciada uma data para as remoções.

O documento também confirma que o governo federal avançará por mais 12 mil hectares da região de Alcântara além da área já utilizada atualmente pelo CLA (Centro de Lançamentos de Alcântara), onde pretende abrir a possibilidade de exploração da base para diversos países, cobrando uma espécie de aluguel pela parceria. Um acordo de cooperação já assinou no ano passado com os EUA.

O anúncio da medida causou um choque na comunidade quilombola de Alcântara. “Estamos perplexos com esta medida extremamente autoritária e que pode legar um futuro marcado por mais violações, como ocorreu na ditadura militar nos anos 1980 quando as primeiras famílias foram compulsoriamente deslocadas e a até hoje sofrem os impactos disso”, disse o cientista político Danilo Serejo, assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara.

Para a Conaq, as medidas anunciadas pelos governos federal e estaduais são insuficientes para proteger os povos tradicionais mais vulneráveis socialmente, como os quilombolas.

Por isso, a Conaq propõe um pacote de ações emergenciais para garantir a saúde dessa parcela da população:

1 – Adoção imediata de medidas de proteção dos quilombolas afetados ou em vulnerabilidade ao coronavírus (COVID-19);

2 – Imediata revogação da Emenda Constitucional nº 95, com a retomada o investimento no Sistema Único de Saúde e em pesquisas científicas acerca da infecção e também acesso imediato ao saneamento básico para as áreas sem cobertura de esgotamento sanitário, acesso a água potável e coleta de lixo regular;

3 – O governo deve proibir cortes de energia elétrica, água e outros serviços nesse período, assim como assegurar a suspensão de racionamento de água ou promover o fornecimento complementar de água potável para os quilombos;

4 – O Poder Judiciário deve suspender por tempo indeterminado o cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou mesmo extrajudiciais, motivadas por reintegração;

5 – Maior atenção e cuidado com as pessoas infectadas, a exemplo dos idosos e crianças;

6 – O apoio com recursos e assistência aos familiares nos quilombos com distribuição gratuita de produtos básicos de limpeza e proteção, tais como sabão, álcool 70 em gel, desinfetantes, água sanitária, entre outros;

7 – Os quilombos devem ser protegidos da infecção do coronavírus, com medidas especiais, a exemplo de acesso a recursos para alimentação, acesso a água potável, produtos de higiene, serviços de saúde adequados e adaptados às suas realidades. É preciso assegurar a presença de profissionais de saúde, em especial médicas(os) e agentes comunitárias(os) de saúde nos quilombos;

8 – Garantir o abastecimento de alimentação aos quilombos, oferecendo suporte técnico e financeiro à produção nos quilombos.

“Fiquem em casa. Sigam as orientações médicas”

Na nota pública, a Conaq também recomenda aos quilombolas que tomem as medidas preventivas recomendas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelas autoridades sanitárias brasileiras: “Respeitem e sigam rigorosamente as orientações que estão sendo dadas pelas autoridades. Não desprezem as orientações médicas.”

Além disso, a Conaq pede aos seus coordenadores a suspensão das atividades. “Pedimos a todas as lideranças que não cumpram agendas neste momento e que fiquem em suas casas, evitando o deslocamento de seus quilombos para as cidades onde a doença já se proliferou.”

A Coordenação Nacional de Articuação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas informa ainda que foram canceladas as agendas de atividades turísticas nos quilombos, a fim de proteger a comunidade de contágios por pessoas alheias à realidade local. “Entendemos que os prejuízos financeiros são inevitáveis, mas devemos resguardar nosso maior tesouro, que é a nossa vida.”