“Maldivas” chega apresentando mais uma vez um país estereotipado pelo o que ele tem de menos belo. Desde a política do corpo perfeito à corrupção e estelionato, a produção de Natália Klein nos faz questionar ‘que país é esse que chamamos de Brasil?’”

Foto: Divulgação Netflix

Por Dione Afonso
@odionecomd

Criada por Natália Klein, a produção brasileira chegou no streaming no início da segunda quinzena de junho de 2022. Klein, além de criadora também deu vida à Verônica que, na série, é quem faz o papel do sujeito narrador voz over (ou voz off). Com o intuito de conduzir o telespectador durante o desenrolar da trama, o recurso funciona num primeiro instante, mas, falha, quando a voz é menos interessante comparada ao que as cenas revelam. A carioca, além de escritora e atriz é também roteirista e comediante. Klein criou o blog Adorável Psicose que deu origem a uma série de TV veiculada pelo Canal Multishow narrando as experiências pessoais de uma jovem que decide buscar ajuda psicológica.

Com elenco de peso, a primeira temporada de Maldivas reúne Carol Castro, Klebber Toledo, Sheron Menezes, Manu Gavassi, Bruna Marquezine, Enzo Romani, Ângela Vieira e outros numa trama que reforça estereótipos muito caros à imagem brasileira e ao que constitui um país mal visto (ou bem visto, dependendo do seu ponto de vista). Tal opinião não responde se isso é bom ou ruim, mas a série de Klein acerta num ponto: nos fazer questionar que país esse em que vivemos? Que lugar é esse que repudia boas ações e credita os gestos de má fé? Que país é esse que credibilidade não tem mais valor? Que lugar é esse em que pessoas, mulheres e jovens, são ludibriados diariamente por um status que não perdura? Que país é esse em que o efêmero, o passageiro tem mais valor que ensinamentos que perduram pela eternidade?

Do corpo perfeito ao sistema de corrupção

A série original Netflix é produzida pela O2 Filmes e dirigida pelo cineasta José Alvarenga Júnior que dirigiu A Diarista (Rede Globo, 2004-2007) e Força Tarefa (Rede Globo, 2009-2011). Maldivas acompanha a personagem de Marquezine, Liz Lobato que se infiltra no condomínio de luxo Maldivas do Rio de Janeiro. Liz é uma jovem do interior, criada pela avó, personagem de Ângela Vieira e noiva de Miguel (Ricky Tavares). Liz representa aquela menina jovem, inocente, herdeira de grandes fazendas que vive na aba da riqueza do interior controlada nas mãos de poucos fazendeiros latifundiários. Maldivas, decide mostrar a transição dessa jovem que sai do interior em busca de algo a mais na cidade grande. Que país é esse, mesmo?

Gavassi dá vida à influencer Milena, a musa do corpo perfeito, casada com o cirurgião plástico Victor Hugo (Toledo) e síndica do Maldivas. Milena representa as jovens do mundo que vivem à base de silicones e plásticas, todos os dias em busca do corpo perfeito e dos holofotes da fama, da beleza e do prestígio. A cada defeito pessoal, a personagem implora ao marido uma nova intervenção cirúrgica. Milena também é a representação do distúrbio compulsivo em oniomania. A cada decepção ou desprezo do marido, ela perde o controle e a noção dos gastos e do acúmulo desenfreado de itens. Milena se entrega ao brilho incontrolável do desvio de dinheiro e ao estelionato fazendo do Maldivas uma cortina de ferro para encobrir suas falcatruas enquanto desfila esplendorosa ao redor da piscina entre a High Society.

Do casamento de relações abertas à política favorável

Que país é esse mesmo? Onde a High Society rouba para viver no luxo enquanto os desfavoráveis roubam pra viver no lixo… Conheçam agora Kat, a personagem de Carol Castro e seu marido Gustavo, vivido por Guilherme Winter. Com Winter e Castro a representação brasileira cai ainda mais no conceito de país bem quisto: Gustavo é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Mas vive bem num condomínio de luxo e muito bem pago por isso. Diante de todos os crimes praticados, incluindo estelionato, vive em regime aberto junto da esposa e de dois filhos que não são educados e nem recebem dos pais a atenção e carinho familiares. A crítica social é pesada nesse quesito quando vemos os filhos sem uma representação adulta que dê consistência ao futuro de cada um.

Se de um lado temos um casal com dois filhos incontroláveis, do outro temos um casamento relacionalmente aberto vivido pelo casal Rayssa e Cauã (Sheron Menezes e Samuel Melo). Ex-vocalistas de um grupo a lá É o Tchan, o casal não se preocupa com fidelidade e ambos mantém relações fora da vida conjugal. Que país é esse, mesmo? Em nome da publicidade e do prestígio na frente das câmeras, Rayssa e Cauã escolhem ter filhos se isso for bom para a imagem publicitária. No Maldivas, Rayssa faz nome com seu SPA de tratamento natural para celebridades e pessoas que frequentam tal classe social.

A política é favorável aos interesses de cada um. Que país é esse, mesmo? Onde a política está a serviço de interesses privados… Milena engrossa esse caldo, uma vez que a política do condomínio não parece lhe render prestígios. Por meio de um grande desvio de verba, entrega-se às chantagens, já que para estar no poder ela é capaz de qualquer coisa. Nada mais fácil do que contratar uma empresa de segurança de fachada para ocultar o roubo que realiza nos cofres do condomínio. O Brasil, infelizmente, é visto pela série como palco de corrupção, desvio de verba, sede e busca de poder e do corpo perfeito e tudo isso onde menos se espera: num lugar de luxo que dever ser sinônimo de credibilidade e ética.

Quando a produção acerta e quando ela erra

O conjunto de atuação da produção é fantástica. Todo o elenco dá conta do recado e entrega o melhor de seus personagens. Contudo, o brilhantismo do elenco não segura a trama até o final. A série não se decide entre comédia, drama ou suspense e falha, miseravelmente, tentando entregar um pouco de cada gênero. A criação de Natalia Klein não consegue segurar narrativa e o recurso da voz over perdeu seu sentido e interesse do telespectador quando as situações sociais se tornaram mais interessantes. O roteiro é cheio de falhas e com plot twists muito previsíveis o tempo todo. Primeiro, a trama não determina quem, de fato é a personagem protagonista. Ao mesmo tempo que Gavassi entrega uma atuação perfeita de Milena, Marquezine rouba todas as cenas em que Liz aparece. A profissão de Liz, que é formada em perícia criminalística, parece não ter feito a diferença e sua importância de nada valeu.

No final, é Milena, personagem de Gavassi, quem rouba a cena, deixando de escanteio todo o resto. Mas, o capítulo final da primeira temporada nos deixa um grande ensinamento: “é preciso nos libertar de nossas prisões, por mais confortáveis que elas sejam”. Maldivas, no fim é sobre isso: sobre as nossas prisões. Enquanto uns são aprisionados pela busca do corpo perfeito, outros são presos pelo prazer do sexo, uns pelo dinheiro fácil, outros pelo poder e pelo status. É preciso nos libertar dessas prisões. Que país é esse, mesmo? Nós respondemos: é o país, igual a outros, que vivem criando prisões em nossas mentes, padrões sociais que se normatizam como uma vida perfeita e sem dificuldades. E nessa narrativa, Natália Klein é simplesmente incrível no que escreve e atua.