O pesquisador Lucas Ferrante acredita que o governo federal escolheu o pior trajeto de forma proposital, para justificar pavimentação da BR-319

Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

Entre escolher o rio Madeira, no auge da navegabilidade – já que era período de chuvas – e a BR-319, que tem metade dos seus 900 km de extensão sem asfalto, e assim, nessa época fica cheia de atoleiros, a gestão Bolsonaro preferiu a segunda opção.

A decisão equivocada do então ministro Tarcísio de Freitas e do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello custou a morte de centenas de pessoas. Até então, com base em dados obtidos pelo Ministério Público de Contas, a falta de oxigênio tinha causado a morte de 31 pacientes com covid, apenas nos dias 14 e 15 de janeiro.

O erro de Tarcísio e Pazuello – considerado pelo governo, um “especialista” em logística -, gerou atraso em até 66 horas para a chegada de 160 mil m³ de oxigênio a Manaus. Pazuello, segundo sua ex-mulher, a dentista Andrea Barbosa, se divertia enquanto o colapso da saúde em Manaus, fazia dia a dia, mais vítimas. Ela contou em entrevista ao canal My News, que ele teria debochado da situação, ao tempo em que fazia festa regada a uísque. Segundo Andrea, ele se vangloriava que sua maior preocupação era “comprar os sacos pretos” para enterrar os mortos, mostrando desprezo total.

A conclusão sobre o erro de logística é relatado em estudo produzido pelo biólogo Lucas Ferrante, mestre e doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. O Brasil de Fato teve acesso ao teor do artigo científico, em primeira mão. Ao site, disse que “o Ministério da Infraestrutura, sob o comando de Tarcísio, e o Ministério da Saúde, sob Pazuello, orquestraram a estratégia mais longa e mais cara para trazer oxigênio para Manaus, o que custou centenas de vidas”.

O Ministério da Infraestrutura tentou justificar, dizendo que “a escolha da rota ocorreu porque é o período de chuvas na região e pelo tamanho da carga, o que levaria cerca de seis dias via rio Madeira”. Não houve resposta da assessoria de Tarcísio de Freitas.

Os caminhões saíram de Porto Velho (RO) pouco antes do meio-dia no dia 20 de janeiro. Pelo Twitter, o Ministério da Infraestrutura anunciou que o trajeto demoraria cerca de 30 horas, mas durou três vezes mais. A carga só chegaria depois de quatro dias – ou 96 horas.

Segundo as informações levantadas por Ferrante junto a empresas de navegação, o percurso poderia ter sido feito em até 30 horas pelo rio Madeira, supondo que a embarcação fosse dotada de um motor potente (600 a 830 cavalos de força), dirigida por um piloto experiente e não fizesse paradas. O custo seria de R$ 195 mil reais. Já o Ministério da Infraestrutura, respondeu à reportagem que pelos cálculos do governo, via Rio Madeira, demoraria seis dias. A assessoria de Tarcísio não respondeu aos questionamentos até a publicação a matéria.

Se quisesse economizar, o governo federal poderia contratar por R$ 150 mil uma embarcação com um motor menos potente (350 a 420 cavalos). Ainda assim, o trajeto demoraria menos do que demorou pela estrada, cerca de 75 horas. Ferrante avalia que o governo federal escolheu o pior trajeto de forma proposital, com objetivo de justificar a repavimentação da BR-319, projeto que produzirá impactos ambientais duradouros e enfrenta resistência de povos indígenas.

Vale ressaltar, os gastos do translado estão sob sigilo de 100 anos, a pedido do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL).

Lobby para a BR-319

“O governo federal está legalizando terra griladas no eixo da rodovia BR-319. A rodovia atende apenas a grileiros e madeireiros ilegais, ou seja, o Ministério da Infraestrutura promoveu um lobby para justificar a rodovia às custas das vidas das pessoas em Manaus”, afirmou Ferrante à reportagem. E de fato, a demora na chegada do oxigênio em Manaus passou a ser amplamente utilizada por políticos bolsonaristas como justificativa para a reconstruir a BR-139 a toque de caixa, atropelando o direito de consulta dos povos indígenas e os estudos de impacto ambiental.

“Criaram pânico que a crise de Manaus se deu por conta da falta de asfaltamento da BR-319. Era um motivo propício para passar por cima do direito dos povos indígenas e dos estudos ambientais. Nenhuma das comunidades indígenas teve direito à consulta prévia livre e informada como estabelece a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”, ressalta Ferrante.

Ele relembra que seu grupo de pesquisa alertou sobre uma possível segunda onda de covid em um dos maiores periódicos científicos do mundo, a Nature Medicine. “E avisamos os gestores públicos de todas as esferas, de municipal a federal. Tanto governo do estado do Amazonas como governo federal estavam sabendo que Manaus teria uma segunda onda e optaram por não fazer nada”, afirma.