Na crise entre Rússia e Ucrânia, é preciso decifrar os interesses geopolíticos motivadores das ações expansionistas de ambas as nações do leste europeu e seus respectivos aliados.

A OTAN, representando os interesses do chamado Ocidente, segue sua expansão militarista no sentido de assegurar os meios geopolíticos para o exercício da “diplomacia da dissuasão” (ou, simplesmente, “diplomacia da força”) através de suas instalações e manobras militares cada vez mais próximas das fronteiras russas. A Ucrânia estava prestes a ingressar na aliança militar, o que se considera uma ameaça à hegemonia russa na região.

De forma subjacente ao interesse em sua defesa nacional, a Rússia se aproveita desse pretexto para colocar em prática suas pretensões igualmente expansionistas sobre as recém auto-proclamadas repúblicas de Lugansk e Donetsk, duas das principais e mais populosas províncias da região de Donbass. Situada no leste ucraniano, trata-se da região mais industrializada do país, riquíssima em reservas de carvão e em produção metalúrgica e siderúrgica. Afora isso, quase 25% de toda a população ucraniana se considera etnicamente russa. A maioria destes está concentrada, justamente, nas ricas províncias de Donbass.

Vladimir Putin não é flor que se cheire. E, apesar de verossímil, a explicação de contenção do expansionismo da OTAN não justifica a invasão. Aliás, nada justifica o flagelo da guerra. Mas, as posturas e atitudes do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky ante a crise tampouco colaboram para a manutenção da paz. Ao contrário, elas contribuem decisivamente para o estabelecimento do estado de guerra.

Afinal, sabem aquela onda fascista que ajudou a eleger Trump, Bolsonaro, Netanyahu, Orbán e outros membros do Clubinho NaziMundi do Titio Steve Bannon? Pois é: Zelensky, conhecido, aqui no Brasil como o Danilo Gentili ucraniano, apesar de se auto declarar judeu, é um deles.

As condições que levaram o comediante ao poder, surfando na onda da antipolítica após o golpe de 2014 – o chamado Euromaidan, levante que derrubou o então presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych – parecem não ter sido suficientes para dissipar a crise entre separatistas “russófonos” (financiados por Moscou) e ucranianos nacionalistas (incluindo os do Movimento Azov, de pendor neonazista) e que se arrasta desde então. Ao contrário, ele tem se alimentado e se aproveitado dela, para inflar sua popularidade junto aos seus seguidores mais radicais.

Além disso, para desespero da diplomacia de Kiev, enquanto a tensão com Moscou atingia níveis de DEFCON-2, o presidente-humorista postava “memes” de Putin nos perfis oficiais da Ucrânia nas redes sociais. Um prato cheio para o líder russo que, além de se aproveitar do “pretexto OTAN” e da identidade étnica da maioria do povo de Donbass com a Rússia, conta também com a ignomínia do presidente do país vizinho.

Vale lembrar que Putin, um milionário ex-oficial da KGB, de propensões czarista-nacionalistas, um estrategista nato, se preparou para os efeitos das sanções que, certamente, sabia que viria a sofrer em virtude de suas ações de guerra supostamente criminosas. A Rússia possui trilhões de dólares em reservas internacionais e é responsável pelo fornecimento de 41,1% de todo o gás natural consumido nos demais países da Europa, sendo que este representa 23% de toda a energia consumida no continente europeu. Ou seja: o Kremlin tem “gordura” suficiente para suportar os efeitos das sanções comerciais impostas pelo Ocidente. E a elas podem se seguir retaliações de Moscou aos demais países consumidores do gás russo.

Ao final, Shakespeare é quem tinha razão: “when the dialogue fails, violence prevails.”A célebre frase serve de prefácio para qualquer declaração de guerra. E toda guerra é uma vergonha para a diplomacia. No presente caso, falhou não só o diálogo, mas todo e qualquer tipo de esforço pela manutenção da paz que diplomacias hábeis são capazes de entabular a partir de lideranças fortes, éticas, sérias e comprometidas.

Na história dessa crise, não há heróis e nem mocinhos. Nem bem e nem mal. Não há inocentes: só culpados. Mas, para enfrentar o “rei de espadas” de Putin, o verdadeiro “senhor da guerra” do leste europeu, contar com o “joker” de Zelensky como se fosse um “ás na manga” é, no mínimo, uma ingenuidade.

*Daniel Zen é doutorando em Direito (UnB). Mestre em Direito, com concentração na área de Relações Internacionais (UFSC). Professor Auxiliar, Nível 1 (licenciado), do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas (CCJSA) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Contrabaixista da banda de rock Filomedusa. Colunista do portal de jornalismo colaborativo Mídia Ninja. Deputado Estadual, em segundo mandato, pelo PT/AC.

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