Como a seleção feminina brasileira de ginástica rítmica chega à olimpíada após a denúncia de abusos morais e psicológicos?

Angélica Kvieczynski, primeira brasileira a conquistar uma medalha no individual geral, foi uma das atletas a denunciar casos de abuso. Foto: Marianne Piquerel

Por Helena Lima

Beatriz Linhares, Déborah Medrado, Geovanna Santos, Nicole Pircio e Duda Arakaki estão em Tóquio para a sua estreia na Olímpiada hoje, sexta-feira (06/08), representando o Brasil na ginástica rítmica. A equipe vem apresentando uma série de bons resultados desde o Campeonato Pan-Americano realizado em junho de 2020 no Rio de Janeiro, quando garantiu sua vaga nos Jogos Olímpicos. Segundo a treinadora, Camila Ferezin, o objetivo é estar entre as finalistas da modalidade.

Em dezembro de 2020, no entanto, a equipe de ginástica rítmica foi o foco de uma grande reportagem publicada pelo Globo Esporte, que debatia temas que circundam frequentemente o universo da ginástica e refletem uma cultura frequente de abusos morais, excessos no controle de peso das atletas e o reflexo disso na saúde mental e no desenvolvimento de distúrbios alimentares.

Após a publicação dessa reportagem, vinte e sete meninas que integraram a seleção brasileira entre os anos 2000 até o ciclo olímpico de 2016 foram ouvidas, dessa vez para uma matéria que foi ao ar no Esporte Espetacular. Sete delas aceitaram revelar suas identidades, entre elas, Angélica Kvieczynski, primeira brasileira a conquistar uma medalha no individual geral e única com quatro medalhas numa mesma edição de Jogos Pan-Americanos.

Segundo ela, a alta exigência por resultados e manutenção de um padrão inalcançável baseado nas atletas russas, referências mundiais na ginástica, provocam uma série de problemas psicológicos nas meninas que passam pelo esporte. “Fui sentir quando entrei na seleção brasileira, em 2007. Foi aí que eu comecei a entender essa pressão maior, o desespero pela balança, ser pesada todos os dias, você não poder aumentar 100 gramas de um dia para o outro. O que são 100 gramas? É um copinho de água. Comecei a ter medo de comer perto do treinador. Mesmo que seja saudável, um prato de salada, eu tinha medo, eu tinha muito medo”, conta.

Ouvir xingamentos também fazia parte da rotina das meninas. A naturalização desse posicionamento autoritário e muitas vezes violento, não se restringe apenas ao Brasil. Muitos técnicos e treinadores vão fazer cursos de formação em centros de treinamento estrangeiros que adotam essa postura fria e agressiva. Ao retornar ao país, replicam aquilo que acreditam ser a chave para um bom desempenho.

Em resposta ao Esporte Espetacular, o consultor jurídico da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), Paulo Schmitt, afirmou que esses casos não chegaram ao conhecimento da entidade e lembrou que a CBG implementou um programa de integridade junto a clubes e federações para estimular denúncias. Além disso, a seleção agora conta com um total de 17 profissionais incluindo psicólogos, fisioterapeutas e médicos a disposição das atletas. O controle diário de peso também foi suspenso.

Ainda assim, esse tipo de denúncia de abuso não é isolado, por isso requer atenção. É preciso denunciar e acompanhar de perto a atuação das equipes técnicas responsáveis pelo treinamento dos atletas brasileiros.

Vale ressaltar, no entanto, que esse cenário de cobrança e estresse vivenciado pelas ginastas, está presente em todas as modalidades esportivas. Recentemente, a atleta Simone Biles, que também foi vítima de abuso sexual em 2016 pelo médico da equipe norte-americana Larry Nassar, demonstrou enorme coragem ao desistir da competição por equipes e na final individual geral da ginástica artística, em detrimento da sua própria saúde mental. Um exemplo para milhares de atletas que acabam colocando a sanidade mental de lado na busca por uma conquista olímpica.

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube

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