Na semana de eleições de segundo turno aumenta-se o tom das narrativas eleitorais. Logo, no turbilhão de disputas, selecionou-se dez motivos pelos quais o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e atual candidato a reeleição a prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, não merece voto da população carioca. Muito menos ainda do público cristão tão ligado a ideia de “justiça”, que vem sendo desprezada na sua trajetória política.

Segue aqui o pequeno fio dos dez motivos.

Despreza a inteligência das mulheres

Em 3 de outubro de 2019, numa atividade pública em Santa Cruz, questionado sobre a decisão da juíza e manter da 3ª Vara de Fazenda Pública, Mirela Erbisti, que na oportunidade decidiu manter fechada a Avenida Niemeyer, Marcelo Crivella disse primeiro sobre a beleza da juíza: “tem seus 40 anos e é muito bonita, tem uma beleza de parar o trânsito”. Depois, completou: “já passaram 100 dias (…) é difícil achar mulher teimosa. Isso é raro, né, gente? Normalmente, elas concordam”. No discurso além da falta de consciência sobre a beleza da mulher, emendou dizendo que elas normalmente não têm opinião, seguem o indicado por homens. Não acredita que têm pensamento crítico e nem autonomia do pensar.

Tem ódio aos opositores

Na quarta-feira, dia 18 de novembro de 2020, na Barra da Tijuca, se reuniu com pessoas do partido e fez um discurso inflamado. Na sua fala o bispo da Universal foi incisivo ao se referir ao atual prefeito de São Paulo (e atual adversário político): “eu entrei na justiça contra esses vagabundos (…) sabe de quem é essa OS (Organização Social): é do Doria, viado, vagabundo!”. É curioso que mesmo sendo bispo da Universal (logo amplamente ancorado no puritanismo conservador dos costumes) não impediu de agredir de forma truculenta outro político. Agora se fica imaginando como são as reuniões fechadas de Crivella, Macedo, Malafaia e o clã Bolsonaro? O que será que falam, que tramam?

É contra a liberdade de expressão/imprensa

Ele mostra ser contra a liberdade de expressão no tratamento que dá aos jornalistas. Uma das demonstrações ocorreu quando repórteres e cinegrafistas foram impedidos pela Guarda Municipal de entrar no Palácio da Cidade (uma das sedes do governo). Crivella vetou a entrada de repórteres porque teriam noticiado a falta de vagas em hospitais públicos e atrasos salariais dos profissionais de saúde. Sobre isso, falou abertamente da censura pois “o grupo Globo não exerce jornalismo sério, mas, sim, age como panfleto político, interessado em atacar governos”. É um bom sinal que um gestor impossibilite o trabalho jornalístico? Isso é democrático? O mais curioso é que sempre enaltece o trabalho jornalístico da TV Record, mega corporação de seu tio, o Bispo Macedo, em que chegou a trabalhar no passado. Assim, sua censura é seletiva! O que é ainda pior quando se pensa na ideia de justiça cristã.

É contra a ciência

Em 22 de maio de 2020, Crivella, deu uma entrevista admitindo o uso de hidroxicloroquina (a cloroquina) no tratamento de pacientes da prefeitura o Rio. Nela, o candidato a reeleição destacou que as unidades de saúde já estavam usando o medicamento, por volta de um mês antes. Afirmou: “O Ministério da Saúde estabeleceu uma série de normas. Sim (já estamos usando [a cloroquina]) conforme o entendimento de cada médico e seguindo recomendações”. A atitude é no mínimo uma irresponsabilidade, pois existem uma série de senões ao medicamento. O pensamento cientifico brasileiro aponta que a cloroquina não teria qualquer comprovação científica. Logo, Crivella com a atitude seguiu a lógica da ultra-direita mundial muito pouco preocupada com a ciência.

Nega a pandemia

Novamente, no dia 15 de maio de 2020 afirmou (sem bases nas pesquisas) de que havia tido a queda de transmissão, e que o Covid-19 estava sendo derrotado. Afirmou que “A pandemia está sob controle. Sem vacina, como conseguimos? Tenho certeza que estamos construindo imunidade de rebanho, que nos dá garantia de que não teremos 2ª onda. Porque não foi feito lockdown”. É muito sério quando um gestor não tem compromisso com a realidade, ou a ludibria. O dado importante é que muito pouco se sabe sobre a “imunidade de rebanho” na cidade do Rio (e no Brasil) pois não correu NENHUMA testagem em massa da população. Ao inverso disso, se sabe que desde esse dia até hoje foram 18 mil mortes e aproximadamente 280 mil casos confirmados na cidade.

Grita o economicismo para entregar a população a morte

Diante do crescimento da curva de contágio e mortes na cidade do Rio de Janeiro, no mês de novembro, insistiu na afirmativa de que o Covid-19 matou menos do que esperado no município. Falou que ficou “abaixo da previsão de 3% da população feita pelos alarmistas das Fiocruz (…) o número de óbitos em cerca de 10 mil, quase 20 vezes menos do que previram os especialistas”. No meio desse quadro de caos afirmou que “Agora precisamos retomar a economia, já que as curvas todas, há meses, estão descendentes“. Como se vê na frase, Crivella assume o discurso economicista, e com ele, acaba entregando a população à morte. Sobre esse tipo de gestor (Trump, Bolsonaro e Crivella) no período da pandemia, Judith Butler afirma que gritam “economicismos para justificar a eugenia social”.

Pouco se preocupa em informar a população

Em pleno mês de maio, no meio do caos do crescimento da curva de mortes do Brasil, Crivella agiu de forma direta na política biológica da população, numa biopolítica extrema. Naquele momento retirou os dados sobre as mortes e os contágios do site da cidade do Rio, impedindo a população de ter acesso as informações. Agiu da mesma forma que a Ditadura civil-empresarial Militar fez, quando não informava o número de mortes do sarampo e da meningite no Norte do Brasil, sob justificativa comum de que era importante recontar os mortos e que não haviam pandemias. Crivella, sem sinalizar as fontes, disse que “médicos divergem se ele morreu com ou de Covid-19”. Até hoje essa questão não foi justificada com dados. O que quer dizer que ele, tem pouco apego a transparência tal como os ditadores do passado.

Coloca sua igreja em primeiro lugar

Em julho de 2020, diante das mortes da pandemia, ao invés de enviar tomógrafos para uma unidade de saúde, a UPA da Rocinha, encaminhou-os para a IURD da comunidade. A ação gerou uma série de manifestações na comunidade, uma das mais atingidas pela pandemia no Rio. Nelas, os moradores questionaram se os tomógrafos iam os atender, ou se ia apenas atender os fiéis da Universal ou eles em primeiro lugar. Em ações como essas, Crivella indica o direcionamento de bens públicos para benefício de sua comunidade de fé.

É adepto a guerra cultural contra as tradições afro-diaspóricas

Mesmo afirmando que no governo dialoga com todas tradições religiosas, no passado publicou (2002) o livro chamado: “Evangelizando a África”. Nele, escreve que as tradições religiosas da África “permitem toda sorte de comportamento imoral, até mesmo com crianças de colo” (…) além de serem um ritual satânico que ‘deve ser evitado’”. Na edição brasileira designa os sacerdotes de “feiticeiros e bruxos, conhecidos no Brasil como pais, mães e filhos-de-santo”, não considera a importância da pluralidade na arena publica das religiões, se mostrando hostil às demais tradições religiosas de África. O que Crivella aciona é mais uma forma do racismo religioso dos fundamentalismos que se energizam nas batalhas religiosas entre as pessoas e seus deuses.

É adepto a guerra cultural entre as tradições cristãs

Curioso que, no mesmo livro, além de fomentar o ódio as tradições religiosas de África, ratifica e espalha os embates as outras tradições cristãs. Primeiro, indica que a Igreja Católica “tem pregado para seus inocentes seguidores a adoração aos ídolos e a veneração a Maria como sendo uma deusa protetora”. Depois, destaca que as demais tradições evangélicas tradicionais “não são renovados pelo Espírito Santo de Deus”, e até, as próprias tradições pentecostais que não a IURD ao dizer que: “não levam a cabo a Palavra de Deus”.

***

Embora Crivella afirme que amadureceu desde os tempos que escreveu o livro, pergunto se é interessante que se insista num prefeito tão ligado as agendas da Universal e/ou ao fundamentalismo evangélico (exclusivista) a frente da prefeitura do Rio? Acredita-se que tenha repensado suas posições em termos públicos, embora, na esfera da expressão de fé privada siga na mesma toada do extremismo cristão. Tal como se sinalizou, Crivella não assume a ideia absolutamente cristã de “justiça” (dos profetas bíblicos e de Jesus): que se organiza pelos diálogos com as mulheres, no cuidado com as diferentes expressões de gênero e sexualidades, na defesa pela vida da população, no apreço a saúde da população e na luta contra a propagação da mentira sistêmica (fake news).

Portanto, a manutenção de Crivella na prefeitura do Rio é algo perigoso pela relação íntima com o bolso-fascismo e sua plataforma de desprezo da gravidade da pandemia do Covid-19. Para os eleitores que vão votar no Rio uma dica do importante historiador Chico Teixeira para domingo dia 29: que se vote como se fez na França, em 2007 “de luvas”.

Para que não se suje as mãos com o voto. Na França se votou para barrar a ascensão de Le Pen, do neofascista Front Nacional no segundo turno. E, hoje, no Brasil, é importante que se barre as forças do cristofascismo que nos governa.

É urgente brecar Crivella no domingo, para organizarmos as forças para destronar o fascista-mor fingido de messias. Então, para quem for votar no Rio lembre-se:

Às urnas de luvas.

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