Corte Interamericana julga dois casos de trabalhadores rurais da Paraíba
Ambos os casos foram peticionados pela Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba e a Dignitatis, além da Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz no caso do defensor de direitos humanos
Nos dias 08 e 09 de fevereiro, o Brasil vai ao banco dos réus da Corte Interamericana de Direitos Humanos duas vezes, ambos os casos são relacionados a trabalhadores rurais da Paraíba. As duas audiências serão em San José da Costa Rica.
No primeiro dia, na quinta-feira (8), o tribunal julga o caso do assassinato do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, morto há 27 anos. Já na sexta-feira (9), será a vez da Corte analisar a denúncia por omissão e falta de responsabilização do Estado no caso do desaparecimento forçado, em 2002, de Almir Muniz da Silva, trabalhador rural e defensor dos direitos dos trabalhadores rurais no estado da Paraíba.
Ambos os casos foram peticionados pela Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba e a Dignitatis, além da Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz no caso do defensor de direitos humanos.
As audiências serão transmitidas ao vivo pelas mídias sociais da Justiça Global, assim como da Corte Interamericana. Também será realizada uma mobilização online, por meio de um tuitaço (com as hashtags #JustiçaParaAlmirEManoel e #BastaDeViolênciaNoCampo, #PeloDireitoDeLutarPelaTerra), impulsionado pelas organizações peticionárias do caso.
Caso Manoel Luiz
Em 19 de maio de 1997, em São Miguel de Taipu, na Paraíba, Manoel Luiz da Silva foi baleado por seguranças particulares do proprietário da Fazenda Engenho Itaipu, Alcides Vieira de Azevedo, quando passava por uma estrada no território ao lado de outros três trabalhadores rurais. A vítima tinha 40 anos. Manoel deixou a esposa, Edileuza Adelino de Lima, grávida de dois meses, e um filho de quatro anos, Manoel Adelino.
A investigação e o processo penal do caso, porém, foi marcado por falhas e demora, violando o direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima, além dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, conforme determina a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Além da devida reparação aos familiares e investigação adequada do caso, as organizações pedem vinte medidas de não repetição, entre elas, a realização de melhorias no assentamento da reforma agrária onde a vítima morava, que agora leva seu nome; a construção de uma política ampla de prevenção e mitigação dos impactos da violência no campo; e a ampliação de uma política de combate à grilagem de terras.
Caso Almir Muniz
Em 2002, o trabalhador rural e defensor de direitos humanos Almir Muniz, de 40 anos, desapareceu no município de Itabaiana (PB). Sete anos depois, as investigações para apurar o seu desaparecimento foram arquivadas pelas autoridades do Estado, mesmo havendo fortes indícios de que Almir Muniz foi assassinado por um policial civil.
Ele denunciou ameaças que vinha sofrendo e, um ano antes do crime, ele havia alertado a Comissão Parlamentar de Investigação da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba sobre a violência rural e formação de milícias privadas, tendo
indicado o envolvimento de agentes do Estado na violência contra os trabalhadores rurais da região.
Comentários das peticionárias:
Justiça Global
Caso Manoel Luiz
“O assassinato de Manoel Luiz é mais um caso que integra uma longa série de violações de direitos humanos relacionados à luta pela terra no Brasil. Agora a Corte terá a oportunidade de se pronunciar, em mais detalhes, sobre a relação entre a ausência de uma estrutura fundiária justa, a luta pela terra e a violência contra quem atua nessa luta”, comenta o advogado e coordenador de Justiça Internacional da Justiça Global”.
– Eduardo Baker, advogado e coordenador do programa de Justiça Internacional da Justiça Global
Caso Almir Muniz
“O julgamento do caso Almir Muniz pela Corte Interamericana será o primeiro caso do Brasil envolvendo o desaparecimento forçado de pessoas no contexto da luta pela reforma agrária e um dos primeiros sobre essa forma de violação de direitos humanos no período pós-88. Esperamos que a Corte trate da persistência dessa prática no período pós-ditadura, conectando-a com o contexto da realidade fundiária no Brasil. Também será uma oportunidade do tribunal avançar na sua jurisprudência sobre o desaparecimento forçado em casos que envolvem a omissão e conivência estatal, ao invés de atuação direta de seus agentes.”
– Eduardo Baker, advogado e coordenador do programa de Justiça Internacional da Justiça Global
Comissão Pastoral da Terra da Paraíba
“O Caso Manoel Luiz é a história de mais um agricultor que foi covardemente assassinado. Ele saiu do acampamento e foi em uma barraca comprar alimentos para o pessoal junto com outros companheiros. Na volta o acampamento estava cercado por capangas. Alguns companheiros conseguiram correr, mas ele foi alvejado e faleceu no local. Teve o julgamento em que os acusados foram absolvidos. Os mandantes nunca foram processados, os fazendeiros da época. Com isso, o caso foi levado para a Corte Internacional. Porque o Estado brasileiro, mais uma vez, violou os direitos dessas famílias por não ter feito um
julgamento justo nesse caso.”
– João Muniz, agente da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba.
Dignitatis
“Dos 11 casos brasileiros ativos na Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2 são da Paraíba. O primeiro caso paraibano com condenação internacional foi o feminicídio de Marcia Barbosa, em 2021. Agora será a primeira vez que a violência no campo, tão presente na Paraíba e em todo o Brasil, será apreciada pela Corte. Como os próprios casos demonstram, não são apenas as lideranças e defensores de direitos humanos que são mortos. No campo brasileiro, há um padrão estrutural de violência direcionado a todos aqueles que lutam pelo acesso à terra, aos territórios e por políticas públicas para os camponeses e camponesas. Nossa expectativa é de que as famílias sejam reparadas e que o Estado crie mecanismos e políticas para a garantias de direitos para as populações do campo”.
– Hugo Belarmino de Morais – Diretor da Dignitatis, professor de Direito da UFPB e Coordenador do OBUNTU – Observatório interdisciplinar e Assessoria em Conflitos Territoriais
Sobre a Corte Interamericana de Direitos Humanos
A Corte IDH é um dos três tribunais regionais de proteção dos direitos humanos, conjuntamente com o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. É uma instituição judicial autônoma, cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O Brasil integra o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e, além de ser signatário do Pacto de São José, reconhece a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Sobre a Justiça Global
A Justiça Global é uma organização não governamental sem fins lucrativos que, desde 1999, atua na defesa e promoção dos direitos humanos, por meio da incidência nos mecanismos internacionais de direitos humanos, na produção de dados e acompanhamento de casos emblemáticos, com foco na proteção da/os defensoras/es de direitos humanos e da democracia; na justiça socioambiental e climática; e no combate à violência institucional e na segurança pública.
Sobre a Comissão Pastoral da Terra
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) nasceu em junho de 1975, durante o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizado em Goiânia (GO). Foi fundada em plena ditadura militar, como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos das terras que ocupavam. A CPT foi criada para ser um serviço à causa dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e um suporte para a sua organização.
Sobre a Dignitatis
A Dignitatis busca a promoção e a efetivação dos direitos humanos, da democracia, da paz e da autonomia dos povos, populações e movimentos sociais em sua busca por justiça social e desenvolvimento étnico-sócio-cultural sustentável. O grupo presta assessoria a movimentos sociais, à Comissão Pastoral da Terra e a quilombolas, entre outros atores da sociedade civil organizada. Denuncia a violação de direitos humanos envolvendo grupos de extermínio da Paraíba e de
Pernambuco.