Por Manuella Tyler*

A cannabis possui uma rica trajetória ao longo de milênios, inicialmente empregada com propósitos cerimoniais e medicinais. Posteriormente, devido aos seus efeitos psicoativos, foi proibida em diversos países. Contudo, recentemente, observa-se uma crescente aceitação da cannabis como uma substância medicinal confiável e segura. Diversos estudos comprovam isso e já é uma realidade o tratamento para milhares de pessoas pelo Brasil. 

Porém, o acesso à cannabis medicinal ainda é dificultoso em várias regiões do nosso país, refletindo as desigualdades socioeconômicas de um país de tamanho continental, com uma clara concentração nas capitais em comparação com áreas rurais e do interior. 

Essa disparidade é alimentada pela escassez de associações médicas especializadas no interior, onde a oferta de serviços de saúde é mais limitada. Como resultado, muitos pacientes enfrentam desafios significativos para obterem acesso a tratamentos à base de cannabis, sendo obrigados a viajar longas distâncias ou recorrer a alternativas menos seguras e eficazes. 

A elitização desse tipo de tratamento, concentrado em áreas urbanas e de maior desenvolvimento, evidencia a necessidade urgente de expandir os recursos médicos e as redes de apoio a pacientes em regiões menos favorecidas. 

O Vale do São Francisco, região que margeia o Rio São Francisco, desempenha um papel crucial na compreensão mais profunda dos benefícios terapêuticos dessa planta. As pesquisas feitas por cientistas da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) mostram a eficácia não só das partes aéreas, mas também das raízes. Esses estudos têm o potencial de expandir ainda mais o espectro de aplicações terapêuticas, impactando positivamente a saúde pública e a ciência, que durante muitos anos estudou apenas a molécula CBD, o famoso canabidiol. 

Com o propósito de democratizar esse acesso, chega a Associação de Cânhamo e Cannabis Medicinal (AMO), a primeira associação de cannabis medicinal no sertão, localizada no Vale do São Francisco na região de Juazeiro-BA e Petrolina-PE, representa um marco histórico, oferecendo um avanço significativo tanto no âmbito da saúde e de pesquisa, quanto no econômico. 

Ao proporcionar acesso facilitado a tratamentos eficazes para diversas condições médicas, essa iniciativa não apenas atende às necessidades dos pacientes locais, mas também desencadeia um potencial transformador para a região, mostrando o avanço da pauta em uma região que possui muito potencial econômico para o cultivo da planta, para a produção do medicamento e produção de outros fármacos, porém marcado pelo preconceito. 

Além disso, o cultivo da cannabis medicinal em um ambiente caracterizado por um clima ensolarado, estável e de recursos favoráveis, com a irrigação do Rio São Francisco, promete abrir novas perspectivas econômicas, gerando empregos, promovendo o desenvolvimento de cadeias produtivas, atraindo investimentos e ainda mais pesquisas para a área.

Essa sinergia entre a saúde e o desenvolvimento econômico posiciona o sertão do Nordeste como o lugar ideal para o pioneirismo desse setor em expansão, com potencial para impulsionar tanto o bem-estar dos pacientes quanto o crescimento sustentável da região. 

Inserida no bioma da caatinga, considerado um dos melhores biomas nacionais para o cultivo da cannabis, a AMO se compromete não apenas com pesquisas científicas de ponta na área medicinal, mas também com estudos específicos de tropicalização de sementes. Esses estudos visam adaptar diversas variedades de cannabis medicinal e industrial a este bioma singular. 

Dra. Kiara Cardoso, doutora em farmacologia pela Unicamp, especialista em ESG por Cambridge e fundadora da AMO, ressalta que os perfis mais atendidos pela associação são pacientes com: dor crônica, epilepsia, autismo, ansiedade, parkinson, alzheimer e câncer. Kiara é também pioneira na condução de estudos científicos para a adaptação de diversas variedades de sementes para cultivo na mesma região, e auxilia ativamente no cenário do uso medicinal da cannabis no país. 

A AMO tem a missão fundamental de trazer o cânhamo e a cannabis medicinal para o Vale do São Francisco, respeitando e entendendo as demandas da população local, do meio ambiente e da saúde pública, comprometida com a facilitação do acesso aos tratamentos. A sigla AMO é parte da palavra cânhAMO, mas além disso, reflete o amor de toda a equipe desse time nesse propósito.

A associação abre novos caminhos tanto para os pacientes quanto para a história da cannabis no Brasil e também para a pesquisa e desenvolvimento do cânhamo no semiárido. 

Foto: Arquivo pessoal / Manuela Tyler

*Manuella Tyler Medrado é comunicadora, estuda biopolítica na UNIVASF, graduanda em Odontologia – UNIBRAS e desenvolve projetos que promovem os direitos humanos na sociedade, através da ONG Transcender Social e do projeto Salve a Ilha do Fogo. Já enfrentou um câncer e faz uso do óleo de cannabis medicinal.

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