Foto: O Eco

Está em Glasgow, Escócia, a maior delegação que o movimento indígena brasileiro já enviou a uma Conferência das Nações Unidas. Com 40 representantes de diversos povos, a presença indígena na COP-26 será mais marcante do que na própria ECO-92 (realizada no Rio de Janeiro em 1992), quando os chefes de estado do mundo inteiro subscreveram as convenções para enfrentar as mudanças climáticas e para proteger a biodiversidade.

Também estão em Glasgow representantes dos quilombolas, dos extrativistas, de pequenos e grandes agricultores brasileiros. Estão os nossos cientistas, artistas, estudantes, religiosos, jornalistas, empresários e militantes de diversas organizações da sociedade civil. As suas motivações e expectativas certamente não são as mesmas, mas as suas presenças dizem ao mundo que o nosso povo rejeita o isolamento político e o negacionismo científico que caracterizam o governo do Brasil.

A delegação oficial brasileira é chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e dela participam representantes de vários órgãos federais, além do Ministério das Relações Exteriores. O presidente Jair Bolsonaro não compareceu. Esteve na reunião do G-20, ocorrida na Itália às vésperas da COP-26, mas preferiu não esticar a viagem até Glasgow.  É evidente o seu desconforto em eventos internacionais.

Costuma-se dizer que não há vácuo na política. As representações das diversidades brasileiras lá estão para ocuparem o espaço, que também foi percebido pelo presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco. Ele está na COP-26 com outros 18 congressistas de diversos partidos, assim como estão 15 governadores de estados, inclusive da Amazônia. A mensagem que querem expressar é que divergem da postura de isolamento do presidente e que se dispõem a discutir medidas e a negociar metas de redução das suas emissões, assim como querem participar das oportunidades de cooperação internacional.

Grave momento

O momento climático é muito grave. Secas e inundações assolam campos e cidades, causando perdas e danos, fome e sede, doenças e mortes. Ondas de calor abalam as condições de vida, especialmente dos velhos e crianças, e provocam incêndios devastadores. A crise hídrica que ainda assola o Brasil, mesmo com o início da estação das chuvas, é um exemplo de como as mudanças climáticas já nos afetam e é um prenúncio do que nos espera.

Furacão Irma sobre o Caribe, o mais forte registrado no Oceano Atlântico. Foto: Divulgação/Nasa

As mudanças do clima atingem a todos, mas de forma mais imediata aos países, povos e pessoas mais pobres. Afetam a pesca, a agricultura e as fontes de água, agravam a fome e a sede dos que mais precisam. Países insulares estão sendo inundados com o aumento do nível dos oceanos. O derretimento das geleiras e do permafrost expõe aos olhos e ao contato físico antigas carcaças de humanos e de animais, assim como as doenças que os mataram.

Mesmo que todos os países reduzam, de forma radical e acelerada, as suas emissões de gases do efeito estufa, levaria mais de um século para que a temperatura na superfície da Terra voltasse aos níveis anteriores à Revolução Industrial. Para reduzir esse tempo, seria necessário um esforço gigantesco para sequestrar os gases já acumulados na atmosfera, através de reflorestamentos e de todas as técnicas disponíveis.

Em 2022, a Convenção da ONU sobre mudanças climáticas completa 30 anos de vida. O que era, então, uma ameaça para o futuro, é, agora, uma realidade presente. Porém, as emissões globais continuam crescendo e as providências tomadas são insuficientes para iniciar um processo consistente para reduzi-las e para mitigar os impactos inevitáveis. A lentidão das negociações internacionais tornou-se um fator objetivo de agravamento da crise climática.

Por isso, as falas e os gestos dos representantes da sociedade civil que estão em Glasgow são legítimos! São expressões dos direitos e anseios de um povo que está subjugado por um desgoverno mas percebe a gravidade da crise climática.

Abdução suicida

Enquanto o mundo clama por metas mais ambiciosas de redução de emissões, o Brasil foi o único, entre os países que mais emitem, que quis levar a Glasgow uma meta menor do que a já assumida, a pretexto de uma revisão metodológica. Questionado, o governo recuou para a meta anterior. O recuo foi camuflado pela antecipação de outras metas, mas de longo prazo. A delegação oficial nos envergonha. É a presença da sociedade civil que nos salva!

O pior é que as emissões do Brasil estão em alta, com o aumento do desmatamento na Amazônia e em outros biomas e com o uso das usinas térmicas para manter o suprimento de energia diante da crise hídrica. A destruição do meio ambiente é política de governo. Antes de embarcar para a Itália, Bolsonaro visitou, em Roraima, um garimpo predatório, que invade e contamina uma terra indígena ilegalmente. Um gesto mais eloquente do que a retórica vazia do governo em Glasgow.

Não só o presidente prestigia pessoalmente os que destroem a Amazônia, como fragiliza as leis, instituições, políticas e orçamentos públicos relativos à sua proteção. Os dirigentes do Ministério do Meio Ambiente, Funai, Incra, Ibama, ICMBio e Serviço Florestal são indicados pela bancada ruralista, que está em Glasgow.

Sob pressão, o governo brasileiro aderiu a dois documentos específicos, apoiados por mais de 100 países. Um deles estabelece o compromisso de reduzir emissões de metano, o que afeta a pecuária, mas o documento não traz metas para os países. Outro prevê zerar o desmatamento “ilegal” até 2028, o que pode significar ampliar a cobertura legal a atividades predatórias em vez de reduzir emissões.

Os representantes ruralistas verão que há muita gente informada sobre a agenda legislativa que promoveram nos últimos meses, com a legalização da grilagem de terras, a redução do licenciamento ambiental para obras e de empreendimentos econômicos a mero procedimento auto-declaratório e a exploração dos recursos naturaisnas terras indígenas por terceiros.

Mercado de carbono

Para reduzir emissões é essencial limitar ou abolir o uso de carvão, petróleo e gás, que são combustíveis fósseis, assim como conter queimadas e derrubadas de florestas, que também liberam CO2, metano e outros gases, cuja concentração excessiva na atmosfera provoca o efeito estufa. O plantio de florestas permite retirar carbono da atmosfera incorporando-o à massa vegetal. Os custos de cada atividade são diferentes e há países e empresas interessadas em cumprir parte das suas metas de redução de emissões financiando projetos de terceiros, que atinjam os mesmos resultados com um custo menor.

Foto: Divulgação

Essas transações constituem o chamado mercado de carbono, cuja regulamentação está na pauta da COP-26. E há vários desafios a enfrentar. Se a quantidade de emissões que seriam reduzidas for superestimada, as metas de redução estarão sendo burladas, em detrimento do clima. Também não é lícito que financiadores, mais ricos e principais causadores do problema, transfiram a terceiros, mais pobres, a maior responsabilidade pela solução.

Portanto, há questões técnicas e éticas a regulamentar. O sentido fundamental desse mercado tem que ser a vida. O dinheiro só fará sentido se vier em favor da vida. Mas Glasgow atrai, também, governantes e empresários ávidos por dinheiro e sem compromissos com a vida alheia.

Para que haja compensação financeira, é preciso comprovar que houve redução de emissões, sequestro de carbono ou proteção efetiva de estoques florestais. As emissões em alta, como ocorre no governo Bolsonaro, não servem como linha de base para compensações. No caso do Brasil, com leis, órgãos e recursos fragilizados, a avidez terá que se entender com a dura realidade que ela mesma ajudou a criar.

 

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