Há não muito tempo, a sociedade aceitava e aplaudia relacionamentos entre professores e suas alunas. Mas era também o tempo em que mulheres casavam-se cedo e a pedofilia era naturalizada e romantizada.

Felizmente, esse tempo acabou.

Hoje, a legislação e o costume mudaram. Por exemplo, sexo com adolescente de até 14 anos é considerado, sempre, estupro. Mesmo que tenha havido suposto consentimento, esse consentimento é ineficaz e o estupro, presumido. Meninas e adolescentes também têm aprendido cada vez mais cedo a importância da autonomia de seus corpos e cada vez mais tem se encorajado a denunciar situações de assédio.

Entretanto, alguns professores preferem se manter alheios à curva do tempo e seguir no séc. XXI como se estivéssemos no séc. XIX.

Por esta razão, as redes sociais têm sido profícuas em expor casos de assédio de professores contra alunas e alunos. E é importante que comecemos a falar sobre isso.

A primeira coisa a esclarecer é que professor não dá “cantada” em aluna ou aluno. Professor não paquera. Professor assedia.

O ministro Rogério Schietti, em decisão de caso paradigma no Superior Tribunal de Justiça, entendeu que fica configurada a superioridade hierárquica entre professor e aluno em hipóteses em que o docente se vale da sua profissão para obter vantagem sexual. Assim, o STJ entendeu que o crime de assédio sexual, previsto no art. 216-A do Código Penal, inicialmente previsto para relações de trabalho, aplica-se igualmente às relações entre professor e estudante, quando o primeiro constranger a aluna ou aluno com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se da sua condição de superior hierárquico.

É importante prestarmos atenção a algumas circunstâncias especiais da sala de aula, dentre as quais está, sem dúvida, o lugar especial ocupado pelo professor, que tem enorme facilidade de seduzir, pela inteligência e cultura, seus alunos. A sedução não é, em si, algo ruim. Ela pode decorrer do fascínio da docência e pode inclusive ser o elemento que faz com que os alunos encantem-se com a disciplina, queiram pesquisar mais a seu respeito, sintam prazer em aprender.

Mas se ela se deturpa e corrompe em jogo de sedução que tem como propósito o erotismo, em qualquer nível, já estamos diante de uma grave ruptura ética por parte do professor.

Por isso, mesmo que não se configure crime de assédio – o que requer o constrangimento para obtenção de vantagem ou favor sexual – se a relação se insinuou ou encaminhou para a seara do erotismo, configura-se a ruptura do dever ético do professor de manter-se profissional diante de todos os estudantes.

Pode ocorrer, entretanto, que seja a aluna ou aluno a paquerar o professor. Nesse caso, cabe igualmente ao professor, como o profissional da relação, estabelecer os limites de forma clara e direta, e não alimentar o jogo de sedução erótica.

Ora, sobretudo entre adolescentes, é comum que se desmanchem em coraçõezinhos quando um professor mais bonitinho ou engraçado entra em sala de aula e fala tantas novidades interessantes. Alguns alunos e alunas, inclusive, comportam-se de maneira bastante inadequada e constrangedora. Mas é justamente em casos assim que faz toda a diferença um professor manter-se profissional ou, ao contrário, ser antiético.

Mesmo nos casos em que a iniciativa parte do estudante, não existe simetria entre os casos. Uma aluna ou aluno paquerar um professor não configura assédio, pois não há qualquer hierarquia do estudante sobre o professor. A imagem que fizemos da Lolita sedutora que incapacita um homem adulto e perfeitamente capaz colabora em boa parte para nossos preconceitos misóginos. Claro que não é bonito, nem agradável, uma aluna ou aluno constranger um professor ou professora. Mas nesse caso, o professor, como responsável, deve estabelecer os limites, convindo dar ciência do fato à sua coordenação.

Cabe ao professor, como profissional, estabelecer as distâncias e fazer respeitá-las, com educação e firmeza. Em alguns casos, um estudante vingativo pode querer prejudicar o professor que não aceitou suas investidas, mas se ele tiver sido correto desde o início, não tiver trocado mensagens indevidas, não tiver aceito o jogo da sedução indevida, o estudante não vai ter material para fazer acusações.

Entretanto, elogios aos atributos físicos das alunas ou alunos, inclusive através de comentários nas redes sociais, é conduta inconveniente e inadmissível. O professor é o adulto e o profissional da relação e tem o dever de mantê-la dentro dos limites da ética.

Lamentavelmente, não são raros os casos de professores que, valendo-se de sua posição superior, seduzem deliberadamente alunas e alunos, aproveitando-se de sua inexperiência.

Por isso, é importante que saibamos dar voz às alunas e aos alunos que denunciem situações de assédio e constrangimento.

Do mesmo modo, espera-se das escolas que sejam firmes no repúdio a esse tipo de comportamento, que deve ser prevenido e reprimido. De um lado, escolas deveriam elaborar, com urgência, códigos de conduta que proíbam esse tipo de comportamento por parte de professores, disciplinando inclusive limites para relacionamento em redes sociais e fora do ambiente escolar.

De outro, assegurar sempre ao professor o direito à resposta, abstendo-se de demitir sem que sejam assegurados o contraditório e a defesa. De todo modo, caso a prova do assédio consista somente no testemunho do estudante assediado, é importante lembrar que a prova dos fatos pode ser muito difícil de ser constituída. Nesse caso, a escola deve levar em consideração todos os elementos que ajudem a esclarecer se a conduta do professor foi reprovável. Exatamente por este motivo é recomendável que haja um código de conduta que sirva também para orientação e prevenção.

Do mesmo modo, é inaceitável que escolas sejam coniventes ou omissas, diante de denúncias fundadas (comprovadas) de assédio por parte do corpo docente.

Que esse tema deixe de ser tabu e passe a ser uma página triste, porém ultrapassada, de nossa história.

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