As eleições de 2020 e os rumos da esquerda paulistana

No dia 16, o Partido dos Trabalhadores (PT) definiu o seu candidato para disputar a prefeitura de São Paulo em 2020. A decisão é relevante para o cenário eleitoral, pois o PT já governou a cidade por três mandatos e ainda preserva força no município. Ao mesmo tempo, ela instiga reflexões dentro do que se convenciona chamar de esquerda ou de campo progressista, compreendendo, aqui, não somente os partidos, como também os movimentos sociais e a massa crítica da sociedade.

O Brasil enfrenta a maior crise sanitária, econômica, política e social de sua história. São Paulo, a maior cidade do país, é epicentro do coronavírus. Milhares de pessoas estão confinadas há semanas dentro de casa. Outras, abandonadas pelo Estado, precisam sair às ruas para trabalhar. Multidões morrem ou se infectam, perdem os empregos e passam fome, acima de tudo nas periferias.

Diante desse quadro, todos intuímos mudanças e perigos profundos. Todos ficamos, em geral, com a sensação correta de que “nada será como antes”, para citar a música de Milton Nascimento.

Mas se nada será como está, podem as decisões dos partidos políticos, especialmente os de esquerda, seguirem em frente como se tudo estivesse normal? Acredito que não. E creio que, olhando o caso do PT, podemos extrair algumas conclusões sobre os caminhos a seguir (ou não seguir).

Há anos, a sociedade brasileira vem cansada da figura do “político tradicional”. Geralmente identificada com o rosto de um homem branco e rico, esse político, na verdade, é alguém que não fala sobre o destino de milhões de pessoas que sofrem num dia a dia de muitas privações na cidade. Para ele, o fundamental é controlar sua máquina partidária, garantir sua eleição e reeleição, além de colaborar com os grandes interesses econômicos, em nome dos quais governa ou legisla.

A desconexão dessa figura com a maioria do povo é real e só aumenta no atual contexto. Isso porque os cidadãos e cidadãs que sofrem com a pandemia, geralmente, têm um rosto bastante distinto. São as mulheres na linha de frente dos serviços essenciais, as negras e os negros que auto-organizam os bairros para sobreviver, a juventude que ocupa a internet para forjar novas formas de manifestação e contestar o presidente. São, ainda, as LGBTs, os povos indígenas, os movimentos sociais, os lutadores da cultura, da saúde, da educação, dos direitos humanos, das pessoas em situação de rua e do direito à cidade.

É obrigação da esquerda, portanto, encarnar um perfil e um programa que representem essas maiorias sociais, e não a casta política envelhecida. Também é momento de superar experiências que falharam no passado e que nos trouxeram para o labirinto desesperador em que nos encontramos.

Para conquistar e movimentar pessoas que se movem por ideais progressistas e preocupadas com os perigos do bolsonarismo, é necessário primeiro perceber essas urgências. Só assim, pode-se defender um programa de esquerda, que combata privilégios e desigualdades e persista no caminho da igualdade, da justiça e da solidariedade entre as pessoas.

Não se pode deixar de apontar que, no passado recente tanto do Brasil como da cidade de São Paulo, foi por ter abandonado bandeiras programáticas históricas que uma parcela da esquerda se desmoralizou perante o povo. A propósito, o fenômeno não pertence apenas ao passado. Ainda hoje, nos estados em que governa, o PT e outros partidos aplicaram a reforma da previdência e, no fundo, colaboram com os interesses do grande empresariado e das oligarquias políticas.

Num período em que se debate tanto — e corretamente — a urgência de unidade para derrotar o bolsonarismo, não adianta tentar esquecer esses fatos. Apenas uma esquerda que enfrente, e não que se integre ao regime, pode reconquistar a esperança de milhões. E é claro que, ao tomar uma decisão como a que recentemente tomou em São Paulo, a direção do PT mostra que está muito distante de chegar a essas conclusões, decepcionando até mesmo parte de sua base. Cabe aos setores que nunca se renderam a essa lógica, então, tomar a dianteira dos processos de reorganização e inclusive de unidade.

Por fim, deve-se atentar para o aspecto da democracia interna para tomada de decisões. Não podemos naturalizar que a escolha de candidaturas se dê apenas pela cúpula partidária. Radicalizar a participação das bases é um caminho incontornável. Se estamos diante da impossibilidade de promover encontros presenciais por conta da pandemia, soluções criativas devem ser buscadas visando preservar, e não destruir, a democracia partidária.

O que está em jogo não é pouca coisa. Temos diante de nós os desafios de frear, nas cidades, a sanha autoritária do projeto de Bolsonaro; de dialogar com uma sociedade em estado de intensa transformação e de degradação, por causa da crise; e ainda, de apresentar, pela esquerda, um projeto viável para o futuro. O melhor da energia dos setores dinâmicos da sociedade, daquelas e daqueles que resistem apesar da barbárie, é o que deve nos mover.

Isso é infinitamente mais importante do que os velhos cálculos e interesses eleitorais.

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