Em tom de reconstrução cultural, a 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes abre o calendário de festivais brasileiros
Programação agitou a cidade mineira entre os dias 20 e 28 de janeiro
Por Sérgio Madruga
Após quatro anos desafiadores para o fazer cultural, a consagrada Mostra de Cinema de Tiradentes realizou sua 26ª edição, trazendo ares de esperança e novidades para o setor audiovisual. A programação aconteceu entre os dias 20 e 28 de janeiro, com exibições de centenas de filmes em formatos e gêneros diversos.
O evento já começou com a celebração dos grandes homenageados deste ano, os cineastas mineiros Ary Rosa e Glenda Nicácio. A dupla de diretores, que também compartilha uma forte amizade, construiu sua carreira cinematográfica no Recôncavo Baiano. Foram exibidos os filmes “Café com Canela” (2017), “Ilha” (2018), “Até o Fim” (2020), “Voltei” (2021), “Mugunzá” (2022) e o mais recente, “Na Rédea Curta” (2022).
“Ser homenageado aqui é muito importante, porque é uma mostra muito cara para a gente (…) uma mostra muito importante do cinema brasileiro e a gente inaugura o ano. Então poder começar o ano, especialmente quando a gente pode falar de esperança, futuro e possibilidades, por mais difíceis que as coisas ainda estejam, é muito bom subir num palco e não precisar falar de desmando e desmontes”, afirma Ary Rosa em entrevista ao Cine NINJA.
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Claro que além de cinema, a Mostra foi contemplada por outras manifestações artísticas, tais como cortejos, peças de teatro, shows de mágica, lançamentos literários, exposições e shows musicais. Falando em música, como não destacar as performances “de tirar o ar” de Sérgio Pererê, Adriana Araújo, Felipe Cordeiro e Diplomattas? Estes e outros nomes da cena independente marcaram presença e agitaram as noites de Tiradentes. Afinal, se divertir também faz parte da revolução cultural que tanto queremos.
O evento também contou com atividades formativas, debates e rodas de conversa sobre os filmes exibidos. Muitos com participações especiais dos realizadores e integrantes das obras, como as ilustres presenças de artistas renomados como Ney Matogrosso (de “A Alegria é a Prova dos Nove”) e Jesuíta Barbosa (de “A Filha do Palhaço”).
Como plataforma de reflexão do nosso tempo, muitos filmes exibidos neste ano trouxeram temáticas importantíssimas. A multiplicidade cultural brasileira, a causa e luta indígena, vivências LGBTQIAPN+, diversidade racial, relações familiares e humanas, memória e valorização dos nossos artistas, foram uns dos assuntos que compuseram esta Mostra de Tiradentes.
Destaque para “Thuë pihi kuuwi – Uma Mulher Pensando”, de Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami, “Terruá Pará”, de Jorane Castro, “A Alegria é a Prova dos Nove”, de Helena Ignez, “A Filha do Palhaço”, de Pedro Diógenes, “Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor”, de Alfredo Manevy, “Se Trans For Mar”, de Cibele Appes, “O Que Nos Espera”, de Bruno Xavier e Chico Bahia, “Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”, de Pedro Bronz, “Peixe Abissal”, de Rafael Saar, “Lalabis”, de Noá Bonoba, entre muitos outros.
A Mostra Praça, que realizou exibições ao ar livre, é sem sombra de dúvida um dos pontos altos do evento. O formato de sessão não é novo, mas em um contexto pós pandemia, poder celebrar a sétima arte em praça pública, gratuitamente e ao lado de uma diversidade imensa no público, é muito especial.
Paralelamente às atividades da mostra, o evento realizou a primeira edição do Fórum de Tiradentes, a grande novidade do ano. O fórum consistia em refletir e debater acerca do setor audiovisual brasileiro, levando em consideração os desmontes e descasos do desgoverno Bolsonaro, que aliados à pandemia de Covid-19, deixaram a cultura e o cinema nacional em frangalhos. Após cinco dias de encontros, o Fórum de Tiradentes elaborou e apresentou a Carta de Tiradentes, um documento oficial com propostas e recomendações ao setor, que será entregue ao Governo Federal e à Ancine.
O documento destaca uma série de recomendações estruturantes a serem consideradas, tais como Governança; Marco Regulatório do Fomento à Cultura; Regulação do VOD/Streaming; Descentralização de Investimento; Lei do Audiovisual; Política de promoção de acesso; Democratização do acesso à internet; Relações trabalhistas; entre outras.
“Sem anistia e sem queima de arquivo! Viva a democracia! Viva o audiovisual brasileiro”, diz trecho da carta.
No sábado daquela semana, 28 de janeiro, aconteceu o encerramento e a tão esperada cerimônia de premiação, que consagrou os filmes favoritos pelo júri e público. O grande filme vencedor foi o “As Linhas da Minha Mão”, filme de João Dumans, que conquistou o Troféu Barroco de Melhor Longa-Metragem pelo Júri Oficial. Pelo segundo ano consecutivo, Minas Gerais venceu o prêmio. O longa apresenta uma série de encontros em que uma atriz elabora sobre sua experiência com a arte, com a vida e a loucura. Viviane de Cassia Ferreira, estrela do longa, se destaca por sua espontaneidade e profundidade.
“Remendo”, de Roger Hill, também teve o reconhecimento do Júri Oficial e venceu como o Melhor Curta-Metragem. O filme também conquistou o Prêmio Canal Brasil de Curtas.
O Júri Popular também escolheu seus favoritos, “A Filha do Palhaço”, de Pedro Diógenes, venceu o Troféu Barroco de Melhor Longa-Metragem. O de Melhor Curta-Metragem foi entregue para “Nossa Mãe Era Atriz”, de André Novais Oliveira e Renato Novais Oliveira.
Quem também se destacou foi a atriz Edna Maria, do filme “Cervejas no Escuro”, que venceu o Prêmio Helena Ignez, entregue para algum destaque feminino na indústria audiovisual brasileira, sem se limitar ao ofício.
A 26ª Mostra de Tiradentes trouxe um ar etéreo, de esperança e reconstrução para o cinema brasileiro, sendo só o começo de um ano que promete ser bastante efervescente e próspero para a cultura. “Vamo que vamo!”