Por Kariny Delahaye

Por que a cor da chuteira da Marta é importante para entender a desigualdade no futebol?

Já dizia o saudoso Chorão, camisa 10 joga bola até na chuva. E é exatamente isso que a Marta vem fazendo atuando sem um patrocinador esportivo durante 3 anos e estampando uma chuteira preta em seus jogos com o símbolo da igualdade de gêneros.

Foto: Johannes Simon/FIFA

Veja bem, não estamos falando de uma jogadora comum ou mediana. É a Marta. Eleita 6x Melhor do Mundo pela FIFA, a maior artilheira da história da Copa do Mundo entre homens e mulheres e a maior artilheira da Seleção Brasileira. Um ícone mundial do futebol feminino que dispensa comentários e que chega às Olimpíadas de Tokyo sem nenhuma marca esportiva que a valorize à sua altura.

Mas o que falta? Por que ainda existe uma resistência ao futebol feminino que já se mostrou altamente lucrativo tanto na Copa do Mundo em 2019 quanto em outros países?

De todas as modalidades que tiveram algum sucesso olímpico no Brasil, nenhuma modalidade é tão desvalorizada como o futebol feminino. Gostamos de chamá-las de “guerreiras”, de vibrar com cada vitória e gol durante a competição. E até trocamos o nome do Neymar na camisa pelo o da Marta em um claro sinal de que: “Essa sim nos representa”.

Foto: Reprodução

As marcas, de longe, até olham para as nossas meninas, mas sempre optam pelo mesmo post clichê parabenizando a trajetória das nossas “guerreiras”.

Elas sonham com: valorização.

Recebem: migalhas.

Não adianta ser “guerreira” sem armadura, sem tecnologia e sem proteção em um país como o Brasil que já proibiu mulheres de jogar futebol em 1941. Não adianta vociferar que essas meninas são guerreiras pelo hype dentro de seu blindado de privilégios enquanto elas estão lutando, muita das vezes sozinhas, no campo de batalha que é praticar a atividade que amam com o mínimo de dignidade.

Quantas Martas, Formigas e Cristianes vão precisar nascer e serem referências no esporte para que exista um mínimo de valorização para as nossas meninas?

Beira o absurdo imaginar um mundo em que Neymar, Messi, Mbappe ou Cristiano Ronaldo estariam sem patrocínio esportivo em uma Olimpíada em pleno 2020. A resposta que as marcas esportivas dão a Marta, mesmo sem dizer, é que ela não pertence a esse lugar. Mas se a Marta não está nesse lugar, em que lugar ela estaria?

Dentro de campo, a gente sabe que a Marta frequenta a prateleira dos grandes craques. Mas o que as marcas insistem em não enxergar é que fora dele também. Em 2019, durante a Copa do Mundo Feminina, a Nike registrou aumento de 200% no aumento de camisas femininas, segundo dados da Women Experience Sports. A Avon, por sua vez, declarou que vendeu mais de um milhão de batons em uma ação conjunta com a Marta durante a Copa. O que mais ela precisa fazer?

O que nos resta, além da indignação, é dar voz a sua luta, que está cada dia mais firme. Sabe aquela história do coração na ponta da chuteira? Pois bem, foi isso que a Marta fez. Só que dentro desse coração existe a luta de uma modalidade inteira na ponta de sua chuteira preta.

Muito longe do glamour e das festas clandestinas em plena pandemia mundial, é no campo de terra batida que estamos construindo nossas “guerreiras”. E é por isso que em terra de chuteiras coloridas, quem veste chuteira preta é rainha.

 

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