Foto: Ian de Farias | Mídia Ninja

Na noite dessa quinta foi a vez do Rio de Janeiro ser palco de manifestação em solidariedade a Jean Wyllys e em defesa da democracia. O deputado federal eleito pela terceira vez no Rio de Janeiro deixou o país após anos de ameaças diárias, que nos últimos meses atingiram níveis extremamente graves, em que não só a vida do parlamentar estava em risco, mas também de seus familiares.

Dezenas de pessoas, representantes das minorias defendidas por Jean, se pronunciaram manifestando apoio à sua decisão de manter-se vivo, ao mesmo tempo em que denunciaram as ameaças à nossa agonizante “democracia”, na qual nem mesmo um dos 513 deputados federais tem a sua integridade física garantida pelo Estado. Travestis, transexuais, bissexuais, gays, lésbicas, pessoas intersexo, com deficiência, artistas, parlamentares (da Assembléia Legislativa do RJ e do Congresso Nacional), mulheres, negras e negros e muitos outros demonstraram indignação contra o exílio forçado de Jean, repudiando a narrativa de “auto-exílio”.

O ex deputado federal e professor Chico Alencar lembrou que “Jean nos acrescenta, melhora, inspira e instiga, com sua franqueza, honestidade e convicção. Sua saída é um gesto político de denúncia contra a era fascistóide que o Bolsonaro – ou o Mourão – lidera”.

Fotos: Ian de Farias | Mídia Ninja

O deputado federal Marcelo Freixo ressaltou que o país está sendo governado não por conservadores, mas por fanáticos e que a maior homenagem que podemos fazer a Jean é derrotar o fascismo.

E também anunciou que a bancada do PSOL vai reapresentar na Câmara os projetos de Jean Wyllys.

Fotos: Ian de Farias | Mídia Ninja

A deputada estadual Dani Monteiro foi vítima de ataques similares aos que ocorrem com Jean. No dia de sua posse na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em janeiro desse ano, seu carro foi pixado com ameaças dentro do estacionamento oficial da AL.

“Jean mostrou que é possível ser bicha e ser parlamentar. Nós não temos que nos adequar a uma forma de existir. Não existirá democracia se não tiver mulheres, negros e negras, e LGBTs”.

A transfeminista Indianare Siqueira disse que Jean é um herói do povo brasileiro, ao se referir a programas como Rio Sem Homofobia e a Coordenadoria da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio, que só conseguem sobreviver devido à atuação de Jean. Também lembrou que hoje o PSOL tem Erica Malunguinho como deputada estadual em SP, Robeyoncé Lima como co-deputada estadual em Pernambuco, a Gabinetona, de Belo Horizonte, que contratou 4 pessoas trans. Lembrou também da professora e trans ativista Duda Salabert, que alcançou mais de 350 mil votos para o senado em MG.

 

Foto: Ian de Farias/ Mídia NINJA

“Você, Jean, é um guerreiro do povo brasileiro. Proteger sua vida é um ato de resistência por nós”, completou.

David Miranda, que assume a vaga de Jean Wyllys no Congresso Nacional, convocou todos a fazer parte do mandato, seguindo juntos com Jean. “O que fizeram com a Marielle e com Jean, que são LGBTs periféricos, fazem com todos os LGBTs. Eles não nos aceitam na política. Tentaram tirar o Jean da gente, mas ele foi mais forte e nos mostrou que estamos mais unidos do que nunca”.

Também da bancada do PSOL no Congresso Nacional, Talíria Petrone ressaltou que não podemos aceitar como normal as violências sofridas e afirmou que o ano de 2018 “escrachou a barbárie que muitos corpos vivem no brasil e que não começou em 2018″.

Foto: Ian de Farias/ Mídia NINJA

A deputada federal Jandira Feghali e o ex senador Lindberg Farias não puderam estar presentes mas manifestaram apoio enviando vídeos exibidos durante o ato. O mesmo foi feito pela ativista LGBTI+ e companheira de Marielle franco, Monica Benicio. Jean Wyllys esteve presente não somente em espírito e nos corações dos presentes, mas também enviou uma carta, lida pelo cantor e compositor Caio Prado.

 

Confira abaixo a íntegra da carta de Jean:

Olá, todas e todos vocês, amigas e amigos, parceiras e parceiros, companheiras e companheiros, conhecidas, conhecidos, desconhecidas e desconhecidos,

Vocês não têm ideia da emoção de ficar sabendo da rede de solidariedade que se teceu em torno de meu exílio. Além das milhares de mensagens e postagens  vindas de todas as partes do Brasil e do mundo, houve o ato de São Paulo, e agora há este, onde vocês se encontram.

Há uma canção de Gonzaguinha que eu costumo citar sempre, mas, dessa vez, a citação é mais que oportuna: “é tão bonito quando a gente sente nunca está sozinho, por mais que pense estar!”.

A certeza de que não estou só me conforta nesse momento de transição. Sempre que a solidão me ronda, eu me lembro de que, no Brasil e em outras partes do mundo, muita gente manifestou sua solidariedade e compreensão em relação ao meu gesto.

Ao contrário do ato em que, tomado pela indignação ante o elogio público a um torturador e tomado pela raiva por conta dos insultos homofóbicos, eu cuspi na cara do fascista (hoje presidente da república, por mais absurdo que isso nos pareça); ao contrário desse ato, a decisão de abandonar o mandato foi pensada e refletida, com muita dor é verdade.

Naquele dia do impeachment da Dilma e nos dias subsequentes, todos os limites da violência homofóbica contra mim foram ultrapassados e naturalizados. Ou seja, o que já acontecia e acontece em relação a lésbicas, gays, travestis e transexuais anônimas e que estão fora dos espaços institucionais se estendeu ao representante eleito dessa comunidade de maneira acintosa.

As ameaças de morte se multiplicaram porque os insultos e o assédio já não bastavam aos homofóbicos. Considerar que eu deveria ser assassinado apenas por ser gay orgulhoso de minha orientação sexual e defender uma agenda política de justiça social e liberdades individuais passou a ser algo visto como nada grave. A Polícia Federal não se movia diante das denúncias, apenas abrindo inquéritos protocolares que não levavam a nada. A desembargadora Marília Castro Neves, do Rio de Janeiro – UMA DESEMBARGADORA – sugeriu minha execução no grupo de magistrado no Facebook e a reação dos seus colegas foi o deboche homofóbico. Marília Castro Neves disse inclusive que eu não valia sequer a bala que me mataria e “o pano que limparia a lambança”, em suas palavras. Essa sujeita também foi a mesma que correu para difamar Marielle Franco mal seu corpo destroçado era velado por amigos e familiares.

Até mesmo uma medida cautelar para mim – pedida pela internacionalmente relevante Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que reconheceu, a  partir de farta documentação e provas, o perigo real que eu corria – até mesmo essa medida foi ignorada pelo Estado brasileiro.

Hoje sabemos das relações das milícias do Rio de Janeiro  – responsáveis pelo assassinato de Marielle e de Anderson (este teria sido um prêmio dos sicários aos que lhe rendiam homenagens na Alerj e na Câmara Federal?) – sabemos da estreita relação dessa gente com a família Bolsonaro, agora no comando da nação.

Ou seja, não havia outra saída para mim, se quisesse continuar vivo, que me exilar. Além das ameaças de morte, eu, um deputado honesto material e intelectualmente, estava sendo destruído publicamente por uma avalanche de fake news e calúnias que, por um lado, multiplicavam as ameaças de morte difusas, e, por outro, tornavam os lugares aonde eu ia ou passava espaços de insultos e injúrias por parte de pessoas que acreditavam ou fingiam que acreditavam nesse esgoto de mentiras.

A minha decisão foi portanto uma opção pela vida primeiramente – em nome da luta que precisa não de um mártir, mas de um ativista – mas se converteu também num poderoso recado político ao Brasil e ao mundo: a democracia nesse país está tão esgarçada que a violência política e a homofobia naturalizadas por suas instituições impediram um parlamentar eleito de assumir seu mandato.

Esperava alguma repercussão, mas não uma desse tamanho.

Esperava alguma solidariedade, mas não essa enorme rede que se formou em defesa da minha vida, da agenda política das esquerdas e da democracia. Tudo isso é surpreendente, emocionante e necessário.

Deixar para trás minha família (também ameaçada), minhas amigas e meus amigos, colegas e meus livros é doloroso. Mudar de vida nessas circunstâncias requer coragem. Lidar com a solidão fora demanda força. Eu que eu fiz está longe de ser covardia, como disseram alguns canalhas.

Quero dizer para vocês todas e todos que estou bem, seguro e levando uma vida com mais liberdade. Aos que achavam que minha saída do Brasil representava o abandono das lutas essenciais que eu sempre travei, digo-lhes que estão enganados. Trata-se de um recolhimento estratégico para encarar o tabuleiro agora ampliado. As fronteiras da minha luta se ampliarão em breve. Depois de me recompor, de juntar os pedaços em que as ameaças de morte e as fake news me repartiram, depois que eu estiver inteiro de novo, a luta seguirá, porque há política fora do parlamento – e vocês são a prova viva disso!

Muito obrigado amigas e amigos, companheiras e companheiros, militantes do PSOL, do PT, do PC do B e dos demais partidos das esquerdas, colegas de movimentos sociais e ativistas pelos direitos humanos! Muito obrigado você que está aqui só por solidariedade! Muito obrigado, gente! Isso significa mesmo não soltar ou largar a mão de ninguém. Lembremos que o presidente Lula – preso político – também precisa de nós. Lembremos que a memória de Marielle Franco também precisa de nós. Lembremos sempre que precisamos uns dos outros porque a gente é tanta gente onde quer que a gente vá!

Amo vocês! Até um dia!

Jean Wyllys