Ketlen Gomes / Copa FemiNINJA

Tamires e seu filho Bernardo | Foto: Arquivo Pessoal

A Copa do Mundo Feminina de 2019, na França, trouxe uma série de problemáticas a respeito do futebol feminino e do machismo que cerca a sociedade. Nela vimos que não há mais espaços para desculpas como “futebol feminino não dá público” ou “futebol feminino não é bom”, pois vimos recordes de audiência e jogos com recordes de gols e disputadíssimos. Ou seja, a diferença reside sim na falta de visibilidade e investimento no esporte.

Se há muitas dificuldades para as jogadoras conseguirem sucesso profissional, imagina quando alguma delas se tornam mães? A sociedade tem o péssimo hábito de romantizar a maternidade e de colocar mães em um pedestal, o que as torna seres que não vivem mais por si mesmas, apenas pelos filhos e pela família, o que é errado demais, pois impõe uma série de atitudes e comportamentos a mulheres, que têm sonhos e vidas diferentes.

No futebol, há uma rotina pesada de treinos e jogos, muitas vezes isso leva as atletas ao limite físico e causa lesões. Só nessa copa vimos quatro jogadoras convocadas pelo Brasil, saírem da relação por estarem lesionadas. Ou seja, é necessário um alto rendimento físico para se jogar, principalmente em uma seleção.

Juntando os dois fatores, social e físico, temo um cenário no futebol feminino onde é muito difícil encontrar mães.

Na seleção brasileira temos a lateral-esquerda Tamires, que aos 21 anos, vivendo uma boa fase na carreira, se deparou com uma gravidez inesperada. “Eu chorei por três dias seguidos, achava que o futebol tinha acabado para mim”. Não acabou, mas a deixou afastada dos gramados por quase quatro anos, retornando após seu marido, César, também jogador, receber uma proposta e a família ir para São Paulo. Tamires foi atrás e conseguiu uma chance no Centro Olímpico, depois disso, a lateral da seleção voltou definitivamente ao futebol e participou dessa Copa do Mundo como titular da seleção.

Por um tempo Tamires jogou no Fortuna Hjorring, time dinamarquês, e por isso viajava bastante, consequentemente ficando longe do filho. No entanto, a jogadora relata que “Futuramente, ele vai olhar isso com orgulho. Essa ausência que hoje me faz deixar um pouquinho de vazio nos dias dele, não é pensando somente em mim, na seleção, mas também no futuro para Bernardo”.

Além de Tamires, a goleira argentina Vanina Correa, também teve um filho e se manteve longe dos gramados durante um longo período, mas as histórias são um pouco diferentes. Vanina tinha uma carreira premiada pelo Boca Juniors, e após um tratamento de fertilidade, deu à luz aos gêmeos Romeo e Luna. A goleira decidiu então não jogar mais e cuidar dos filhos, como muitas outras mulheres, mas após a insistência de Carlos Borello, técnico da seleção, ela voltou aos gramados e fez, aos 35 anos, sua terceira participação em copas.

Há pouco mais de um ano, a zagueira da Coréia do Sul, Hwang Bo-Ram, teve uma filha e também foi convocada para a Copa na França. Assim como o Brasil, a Coréia do Sul é um país machista, onde as mulheres encontram bastante dificuldades em retornar ao mercado de trabalho depois de se tornarem mães, com Hwang não foi diferente. Além do físico que fica diferente pós-parto, a atleta teve que ficar longe do futebol por quase dois anos, o marido dela, Lee Du-hee conta “Como atleta, interromper a carreira por quase dois anos é um grande sacrifício, até para quem não engravidou ou deu a luz. Ela teve que lidar com muita pressão, porque o corpo não é o mesmo após o parto. Ela não sabia se conseguiria voltar a jogar como antes”.

Mas conseguiu, seu retorno foi feito em etapas, começou com retomada gradual de exercícios cinco meses após o parto, principalmente pilates, três meses depois começou a treinar com uma equipe de estudantes até o retorno. A convocação para a copa foi uma vitória de toda a família.

As dificuldades e as poucas histórias de jogadoras que engravidam e continuam na profissão mostram o quanto é necessário uma discussão mais profunda e mudanças no futebol feminino, não apenas falta visibilidade e recursos, mas falta entender a mulher como um todo, e isso inclui a maternidade.

É necessário que a sociedade deixe de tratar mães como seres sem vontade própria, e que histórias como as de Tamires, Vanina e Hwang sejam normais no meio do esporte feminino no geral, e não apenas exceções. Que elas venham para colocar na pauta que mães no esporte podem sim ter bons resultados, que o filho não é um fardo e que a mulher não deixa de ser capaz ao dar à luz.