Imagem: João Lucas Roque

Por André Aroeira
Publicado originalmente em @andrearoeirap

Enquanto o Bolsonaro choraminga na tevê e na live que está difícil arrumar dinheiro pra segurar a bomba que ele armou na Amazônia, eu vou contar pra vocês como o Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, queimou BILHÕES que nem estavam no orçamento federal e podiam ir para nossas florestas. Vem comigo:

1) Programa de conversão de multas: maior legado do Sarney Filho, transformou o desastre da arrecadação de multas (menos de 4% das sanções) em um programa voluntário no qual os devedores pagavam com desconto. Se previa mais de 1 bi para as bacias do São Francisco e o rio Paraíba.

Isso só em 2019. Em poucos anos, seria 4 bi, mais de uma década de orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Salles disse que era dinheiro pra ONG e paralisou tudo. Em seguida promoveu um desmonte no Ibama e criou um núcleo de conciliação onde ele mesmo teria que dar aval a cada uma das 14 mil multas anuais.

Salles amordaça o Ibama e dispensa R$ 1 bilhão que seria dedicado pelo órgão a projetos de revitalização do São Francisco

2) Fundo Amazônia, que tem 1,5 bilhão em caixa sem destinação e não pode mais operar. O dinheiro está parado porque Bolsonaro extinguiu o Conselho gestor no início do ano. Desde então, Salles desconversa e diz que “está analisando”. O fundo bancava operações do Ibama e de combate a incêndios.

O Fundo Amazônia também bancava as mais importantes atividades de “dinamismo econômico” e “iniciativas capitalistas” em floresta tropical do planeta. As duas expressões são recorrentes na retórica vazia do ministro enquanto a Amazônia se desfaz sob seus oclinhos.

3) Fim do Fundo Amazônia também representa impossibilidade de arrecadar dinheiro no futuro. De cara já perdemos R$ 300 mi. Pra que? Apenas porque o Salles quis usar o recurso para indenizar fazendeiros e tentou mudar o conselho pra poder controlar tudo. Quantos bi deixamos de ganhar em longo prazo?

4) Fundo Verde do Clima: esse é um fundo dentro do acordo de Paris que deve trazer U$ 100 bilhões por ano a partir dos próximos anos. Temos 3 instituições no Brasil capazes de captar grana de lá, mas o governo ameaça sair do acordo, o ministro diz que é discussão acadêmica e Bolsonaro ainda em 2018 pediu para não sediar a Conferência Mundial do clima (COP), que seria no Brasil. Perdemos a chance de pautar o assunto, alavancar bilhões, protagonizar os acordos e ser o maior beneficiário – já que temos a Amazônia, cuja importância o mundo mostrou que reconhece.

Paradoxalmente, enquanto pensava se ficava no acordo, Ricardo Salles dizia que o acordo era ruim e o mundo deveria pagar para o Brasil preservar. Simultaneamente, Bolsonaro extinguiu o braço do Itamaraty que conduzia as negociações climáticas e se preparava para captar recursos nesse fundo, o GCF.

Um PS: com a crise dessa semana, Salles disse que aguarda (cair do céu) os U$ 100 bi cujas condições de acesso o governo destruiu ao chutar o Fundo Amazônia, mandar a COP pro Chile e destruir a diplomacia climática do Itamaraty e do MMA:

5) O Fundo de Compensação Ambiental, mecanismo que arrecada indenizações de grandes obras e aplica em ações ambientais, também foi destravado por Sarney Filho após anos em gavetas dos ministérios. Toda grande obra paga compensações, que no Brasil nunca são aplicadas. Apenas o Rio de Janeiro tem um mecanismo para tal, o Fundo da Mata Atlântica. Em meu estado, Minas Gerais, o ex-governador Anastasia capturou o recurso para pagar servidores da saúde, deixando o meio ambiente do estado em calamidade.

Quando o Brasil finalmente destravou os recursos de âmbito federal, Salles assumiu. Em um de seus primeiros atos, dissolveu a câmara de compensação ambiental, que elegia os projetos que seriam financiados. De partida era R$ 1,8 bilhão, paralisado desde então, equivalente a 6 anos de orçamento do MMA (fora os custos fixos etc).

Estima-se que a compensação seja a mais promissora ferramenta de financiamento da conservação. Desde 2000, entretanto, não se conseguia fazer sua operacionalização.

2019 seria o primeiro ano.

6) Pagamento por serviços ambientais (PSAs): a Costa rica é um país que vive de turismo e PSA. Cobra uma pequena taxa de carbono, outra de água, outra de ecoturismo – são serviços que a natureza provê de graça, é só não botar fogo em tudo. Deu tão certo que o país saiu de um dos maiores desmatadores do mundo para o maior reflorestador. Foi de 30% para 70% de florestas no território, bancado por quem usufruía de seus serviços ambientais.

O modelo é muito promissor no Brasil, que exporta chuvas, captura carbono, controla o clima mundial. Bastaria proteger a Amazônia com eficiência, precificar os serviços e ir cobrar dos usuários – o planeta todo. O momento é oportuno, quando o mundo inteiro desperta para os serviços ambientais e as negociações climáticas não deixam alternativa a ninguém. Essa é a ideia por trás do Fundo Amazônia e do mencionado GCF.

Poderíamos ter BILHÕES todo ano para o Brasil iniciar o projeto de liderança que é de fato a sua verdadeira vocação:

Não vou deixar de mencionar que o Salles, ao invés de ir pra Costa Rica, foi aprender sobre PSA com ruralistas: ao invés de captar grana pro Brasil, defende usar dinheiro público para pagar ruralistas que protegem vegetação em suas propriedades (que é obrigação, btw).

Enfim, 7) Tangenciando tudo isso, o acordo do clima tem previsão de vários mecanismos de PSA que o Brasil poderia aproveitar: acordo de mitigação da aviação civil, mercado de crédito de carbono, REDD, etc.

Mas agora q viramos pária ambiental, não temos qualquer chance de pautar.

“No contexto das iniciativas internacionais, se preveem a estruturação de mecanismos de mercado que deverão operar, no mínimo, pelos próximos 10 a 15 anos. O Brasil certamente é um dos países com maior potencial para atrair estes investimentos”.

Discurso fácil que o dinheiro acabou. Bem, possibilidades esse governo teve como nenhum outro.

Vale lembrar que Salles é do Partido Novo, que se proclama eficiente, austero, economicamente responsável.

Os autointitulados liberais destruíram o financiamento da conservação da Amazônia. Não só isso, os indicadores mostram a paralisia do MMA de Salles: servidores recebem para não fazer porra nenhuma, fiscais que não fiscalizam porque não podem, órgãos acéfalos incapazes de atuar: Fiscais batem ponto e recebem salários – só não podem trabalhar.

Finalizo aqui e deixo vocês com os métodos do “gestor” que o Partido Novo – supostamente o partido da gestão – tem como mais proeminente integrante: Ricardo Salles.

O meio ambiente como estorvo

André Aroeira é biólogo e ambientalista e articulista. Especialista em políticas públicas ambientais e financiamento da conservação.