Líder sem teto e pré candidato à presidência falou sobre desigualdade, economia, segurança pública, racismo, Lula, ocupações, e principais pontos do seu programa.

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Na noite desta segunda-feira, um líder sem teto sentou no centro do mais tradicional programa de entrevistas políticas do país, o Roda Viva. Guilherme Boulos, pré candidato à presidência pelo PSOL, debateu por duas horas sobre os principais desafios do país, a crise econômica e política, ocupações urbanas, racismo e desigualdade social.

As principais questões giraram em torno das medidas econômicas destacadas pelo programa do líder sem teto, em que ele propõe a taxação de lucros e dividendos e, dessa forma, uma reforma tributária.

Economia

“Não acho que um regime econômico em que 1% tem mais 60% pode ser um sistema considerado que deu certo. Temos que fazer uma profunda reforma tributária. Hoje o Brasil trabalha como um Robin Hood ao contrário, que tira dos mais pobres e dá para os super ricos”, afirmou o Boulos.

Sobre a condução econômica, desfiou críticas a Temer, assinalando que sua primeira medida, caso eleito, será um plebiscito para rever as reformas trabalhista e o congelamento dos gastos públicos por 20 anos.

“Nos últimos 2 anos, o Brasil recuou 40 ou 50 anos com as medidas. Quando o técnico é o Temer, qualquer esforço é difícil para ganhar. A maior expressão disso é que o governo temer é o mais rejeitado da nossa história republicana”, disse.

A retomada do crescimento econômico, por outro lado, é um tema que esbarra no investimento econômico, travado pelo congelamento de gastos públicos. Reduzir investimentos, para Boulos, é o caminho inverso para o país voltar a crescer e produzir empregos.

Questionado sobre a política econômica no governo Dilma, ele criticou justamente o ajuste fiscal promovido pela petista em 2015, quando colocou Joaquim Levy no posto de Ministro da Fazenda.

“Acho que é um debate que precisamos fazer, quando pessoas que vem do mercado financeiro, como Levy do Bradesco, e Henrique Meirelles, com um vasto currículo em instituições financeiras, assumem a economia do país”, questionou o presidencial psolista.

Segurança pública e racismo

O racismo estrutural é uma realidade no Brasil, que se traduz na sub representação de negros e negras no Congresso, nas vagas de lideranças de grandes empresas e, por outro lado, na sobre representação nas penitenciárias e no número de homicídios contra jovens negros.

Combater essa realidade, que se perpetua, é um desafio que, para Boulos, é central. Em sua opinião, o Brasil não superou a escravidão, questão fundamental nas desigualdades raciais.

“Para nós, uma questão essencial é combater o genocídio da população negra. As pessoas estão morrendo, e quem morre tem raça, cor, endereço e idade. Precisamos de uma política de segurança pública que começa com a desmilitarização”, apontou o pré candidato.

Reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas

O tema da reforma agrária e de um projeto de desenvolvimento que dialogue com as comunidades indígenas e quilombolas também foi destacado. Essas realidades, aparentemente distantes, se chocam quando olhamos para o agronegócio e sua expansão sobre matas e terras protegidas.

O líder sem teto reafirmou sua posição de que o estado brasileiro deve retomar a demarcação de terras indígenas e quilombolas, processo que caiu gradativamente nos últimos dez anos, chegando a zero no atual governo.

“É preciso que haja desapropriação das terras em um país que 1% possui a maior parte da terra. Isso precisa ser enfrentado. Até porque, a maioria do alimento que chega na mesa de quem está nos assistindo, não vem do agronegócio, vem da agricultura familiar”, explicou.

Para tanto, Boulos atrelou a construção da sua chapa presidencial a uma série de movimentos sociais, principalmente à sua vice, Sônia Guajajara, líder da Articulação dos Povos Indígenas (APIB).

“Sou o candidato à presidência mais jovem da história, e tenho ao meu lado a primeira indígena em 518 anos a ocupar o espaço de vice em uma chapa presidencial”, pontuou.

Ocupações

Sobre as ocupações, Boulos reforça que o que temos que nos perguntar é porque as pessoas estão ocupando prédios e morando em situações adversas ao invés de criminalizar os movimentos de moradia popular no país “É fácil criminalizar, chamar de vagabundo. O que leva as pessoas a ocupar não é escolha, é a falta de alternativa. É chegar no fim do mês e ter que decidir se paga o aluguel ou se bota comida na mesa. O descaso com a moradia é total. Hoje no Brasil temos 6 milhões e 300 mil famílias sem teto. Ao mesmo tempo existem 7 milhões de imóveis em situação irregular. O Poder público tinha que requalificar esses imóveis e destinar para moradia popular.”

Ainda na luta sobre moradia, Boulos mostra lucidez ao apontar que para esse enfrentamento é preciso solidariedade. Quando confrontado por não viver em uma ocupação e ser liderança de um dos maiores movimentos que buscam moradia digna no país, Guilherme afirma: “Não precisa ter passado fome para se solidarizar e lutar contra a fome no Brasil. Nós não vamos construir um novo Brasil sem esse ingrediente fundamental. O MTST foi a coisa que mais me encantou, foi ver como o movimento dá mais que uma casa, dá esperança para as pessoas.”

Ao ser questionado sobre a linha política de seu partido, o pré candidato afirma que fazer parte do Psol não significa apoiar um modelo de governo mas entender o socialismo como maneira de enxergar além dos privilégios e combatê-los para promover mudanças.
“O Brasil precisa do seu próprio caminho. O que nós não acreditamos é que hoje no brasil seja possível governar para as maiorias sem combater privilégios. O que está posto hoje é que para que a gente possa avançar em direitos sociais para as maiorias ou em qualquer área social, temos que enfrentar privilégios. E ninguém abre mão de privilégios de boa vontade”.

Defesa a Lula

Como ser candidato do PSOL e defender Lula? Se faz tanta defesa a Lula, porque não se filiou ao PT? Você é o herdeiro político de Lula? Questões como essa se somaram e trouxeram ao foco do debate a relação entre Boulos e o líder petista, que completou hoje (8) 30 dias de prisão.

Questões como essa estão colocadas no cenário da esquerda, em que Boulos, um candidato que surgiu dos movimentos sociais, transita sem os mesmos compromissos dos políticos tradicionais.

É nesse sentido que, a defesa de Lula, não se fez, segundo Boulos, através do fisiologismo tradicional da política brasileira, mas em defesa da democracia brasileira, uma vez que para ele a prisão de Lula foi “casuística e injusta”. “Hoje faz um mês da prisão arbitrária do presidente Lula, enquanto Vemos o caso do Temer pedindo dinheiro para Cunha e seu braço direito correndo como mala de dinheiro e O Aécio Neves, que disse que mataria o próprio primo, está fazendo lei no Congresso Nacional”,

Sobre isso, para o líder sem teto a justiça é seletiva e mira pessoas mais pobres, em um processo de punitivismo. “Quem é seletivo na aplicação das leis não somos nós, é o estado brasileiro, que julga diferente branco e preto, gente que mora no centro e quem mora na periferia. Juiz não é Deus, nós podemos sim questionar. A população carcerária dobrou nos últimos 10 anos, a maioria pobres e negros, a metade sem julgamento”

Como faz parte de um movimento popular, seria impossível que a candidatura de Guilherme Boulos não fosse pautada nas reformas políticas, devolvendo assim os direitos do povo, massacrados pelo governo Temer. “A sociedade tem que pautar a economia e não a economia pautar a sociedade”. Para isso, o pré candidato defende prioritariamente duas medidas: reforma tributária e reforma política, e na segunda, reafirma que o seu programa é pautado e construído na diversidade.