Por Vinicius Alves-da-Silva*

As jornadas de lutas pela Diversidade Sexual e de Gênero tiveram uma apoteótica abertura esse ano no território brasileiro. O dia 04 de maio de 2024 ficará marcado na história do Brasil e do Mundo, como o dia em que um território provisório emergiu e se instalou nas areias de Copacabana mobilizando milhões de pessoas de todo país, que chegaram de avião, de carro, de ônibus e das mais variadas formas para celebrar a liberdade sexual e de gênero, a nossa revolução fervida e televisionada e marcar um novo levante nacional: a Revolta do Leque. 

Não foram poucas as imagens que circularam pelas redes sociais do som vibrante de leques batendo ao ritmo ou não de músicas que eram tocadas nas areias de Copa ou em ruas ao longo de diversos quarteirões da Zona Sul carioca.

Há 10 anos eu estudo e contorno um conceito na academia e no ativismo no campo cultural de que esse território provisório, que emerge em diferentes localidades, mas que traz em si um protagonismo de engajamento político e social, pela Igualdade na Diversidade, é entendido e nomeado por muitas de nós que o frequentamos ou construímos como sendo o fervo. O fervo, no meu entendimento, tornou-se uma ferramenta fundamental para operar no imaginário e no tangível, nas sensibilidades e na experiência, no singular e no coletivo, no presencial e no virtual, uma outra possibilidade de pensar e agir sobre a vida, sobre o país e sobre o mundo. 

A Revolta do Leque, frustrando a expectativa de principados palacianos de diferentes esferas governamentais, demonstrou que levantar a raba pra cima e bater o koo (como fez a Vittar no momento mais apoteótico do show, a exorcização fervida do símbolo nacional) não só não pode, como não deve ser condenado neste país. Bater o koo e performar sensualidade, prazeres e desejos dissidentes é uma das nossas formas de ressignificar o que a gente acredita que também é nosso. E foi o que fizemos em larga escalada, com transmissão ao vivo na maior emissora de TV do país e com o mundo nos assistindo, que fique registrado: antes de qualquer partido ou organização de esquerda, as gay, as bi, as trava e as sapatão, retomaram para o nosso campo democrático e popular, um símbolo considerado fundamental à nossa democracia: a bandeira nacional. 

E ninguém mais, ninguém menos, que Madonna empinou a raba junto com Pablo Vittar, para imprimir uma derrota à extrema direita. Eles responderam com as ferramentas que lhes são viciadamente acessíveis: uma moção sem repercussão alguma na população, mas que serve para amaciar os egos de quem custa a entender que será o próprio mercado global, e seu descolamento para as políticas de ESG, que vai engolir as capitanias hereditárias que não aderirem a agenda do Novo Mundo. Nenhuma raba pro alto e nenhum koo batido e rebolado deverá mais ser condenado neste país. Andrey Lemos, querido, a República te deve desculpas e nossa Revolta te acolhe!

Eles virão e nós iremos! Aprendi com a minha professora Márcia Macedo na minha graduação em Estudos de Gênero e Diversidade. Quem diria que um país do Sul Global desenvolveria uma graduação linear de 04 anos como uma singular formação técnica e filosófica de uma profissional preparada para os emergentes tempos da responsabilidade ambiental, social e de governança, de construção qualificada e posicionada de estratégias para a Diversidade, Equidade & Inclusão no mundo dos negócios e dos governos. A Diversidade chegou e, mais uma vez aos palacianos: “mesmo que você me negue“, a gente seguirá pedindo passagem!  

Iremos e seguiremos batendo muito leque! Vestindo verde e amarelo! Expurgando o que não cabe no marco ético-político mínimo que nós, as pessoas tornadas minorias políticas e que são maiorias populares desse país e do mundo, estamos reafirmando para o Novo Brasil. Nós já somos aquelas e aqueles que estão alinhando a nossa experiência com as trocas do Novo Mundo. 

Nós já somos as novas protagonistas de um Brasil livre, diverso, democrático, populares, mulher, negro, sem-terra, quilombola, INDÍGENA, LGBTQIA+, da União e da Reconstrução, performando e conectando o melhor de nós, a nossa Diversidade, com as experiências de uma Comunidade Global que tem se levantado para viver o outro mundo possível no nosso cotidiano mais próximo. 

A filosofia do Velho Mundo, do lucro acima da vida, da moral e costumes que servem somente a liberdade de um sujeito branco, masculino, cisheterossexual, urbano, burguês, adulto, europeu ou norteamericano, ocidental, moderno, capitalista, etc e tal, não cabe mais em nosso tempo.

É o lucro acima da vida ou, como bem denunciou o Presidente Lula, “os beneficiários da Revolução Industrial”, os responsáveis pelas catástrofes como a que nós acabamos de viver no Rio Grande do Sul. Mais do que a catástrofe em si, nós vimos uma demonstração pública de como a escolha pelo lucro acima da vida do Velho Mundo, pode ser uma opção tomada mesmo por um quadro LGBTQIA+, como é o caso do Governador gaúcho que é assumidamente um gay de direita. Nós estamos entrando na Era em que não basta ser, tem que se posicionar. Esse é o mote que tem movimentado empresas e governos em toda sociedade global. Ou, como ensinou minha graduação feminista, tem que responder: a que serve?  

Nos days afters ao 04 de maio, nós começamos a falar com a tia da igreja (em referência ao acertado desafio colocado à nossa geração pela incrível Deputada Federal Erika Hilton), com o moço do Uber, com as nossas mais velhas e mais velhos, sobre o que representou aquele show. De criança a idosos todas viram aquela performance. Ninguém morreu. Nenhum mito propagado como discurso de ódio e fake news contra nossa agenda se concretizou – embora alguns governos e empresas tenham tentado mediar às relações com essa turma pós-show. Ninguém fechou igrejas no outro dia. O céu não caiu. As trombetas de não sei aonde não tocaram. 

A maioria do país e do mundo acordou no dia 05 de maio de 2024 um pouco melhor. Um pouco mais livre. Um pouco mais fraterno. Um pouco mais igual. Um pouco mais próximo do melhor de si. Bem mais próximo, portanto, de um melhor de nós!

Estamos entrando agora na semana da nossa próxima demonstração pública e popular de rua. Nós vamos inundar a Avenida Paulista numa verdadeira demonstração de força social e política. Nós iremos, mais uma vez, demonstrar que o fervo é o meio por onde a Diversidade constrói Luta e disputa a consciência de um horizonte de Igualdade no cotidiano mais próximo da sociedade, rumo a um Novo Mundo possível

Nós estamos na subida da nossa jornada, demonstrando que a nossa Revolta acontece com alegria e felicidade, com subversão e ruptura, com arte, muita arte, com cultura, com prazer, com inovação e responsabilidade, com posicionalidade e consciência ambiental, social e de governança. A gente já transborda em multidão. Já alcança a tia da igreja e a adolescente. Já está na telinha de celular do jovem no metrô ou no papo com o moço do Uber. Já tem servido para articular, cada vez mais, nós a nós, nós por nós! 

No dia 16 de maio nós protocolamos uma carta coletiva junto ao Ministério da Cultura. Ela é assinada por uma Comunidade de Arte e Cultura LGBTQIA+ do Brasil, que vem se organizando coletivamente desde a Conferência Temática de Cultura LGBTQIA+ do Brasil, realizada em Janeiro deste ano, na cidade de Belo Horizonte. Essa Comunidade conseguiu um inédito espaço (fruto de um histórico Manifesto que assinamos e mobilizamos) na 4ª Conferência Nacional de Cultura para as artes e culturas LGBTQIA+, mas também inaugurando uma histórica aliança com o Movimento Hip-Hop e da Rede de Pontos de Cultura. Seguimos aguardando do MinC um retorno para a agenda apresentada em nossa carta e um momento para o diálogo institucional com o nosso campo!

Dia 02 de junho, todos os caminhos levam a concentração em frente ao MASP. A gente vai se ver cheias de orgulho, pela revolta. A gente vai tá usando verde e amarelo. A gente vai seguir com nossas jornadas de lutas fervidas nesse calendário anual de Maio-Junho, que já pauta empresas e governos, que já mobiliza capitais e o Brasil profundo… que já organiza o nosso povo por um país e um mundo mais justo, fraterno, feliz, prazeroso e solidário. 

Rumo ao Junho-do-Orgulho, a Revolta do Leque chegou anunciando a contribuição da Diversidade à emergência da responsabilidade ambiental, social e de governança do Novo Mundo, posicionada e ativista pela vida acima do lucro: ACEITA! 

SOBRE O AUTOR

* Vinícius Alves-da-Silva, 35 anos, nascido em Salvador-BA, reside atualmente em Brasília-DF. É ativista e pesquisador há 17 anos, sendo parte de diferentes coletivos, associações, movimentos, grupos e redes locais e nacionais pela Diversidade Sexual e de Gênero no Brasil. Teve experiências na gestão pública estadual na Bahia (Coordenador de Políticas LGBTQIA+, 2015-2019, SJDHDS) e no Governo Federal (Coordenador no Programa dos Comitês de Cultura, 2023-2024, MinC) participando da idealização de projetos inovadores no campo do cuidado às pessoas LGBTQIA+ e da Política Cultural. É bacharel em Gênero e Diversidade (FFCH-UFBA), mestre em Estudos Feministas (PPGNEIM-UFBA) e doutorando em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH-UnB). Idealizou e é CEO do Grupo Operativo da Plataforma Fervo2k20.org , consultor da VEREDAS: estratégias em Direitos Humanos e colaborador na Rede Fora do Eixo.