Relator propõe vedar emissão de créditos de carbono para projetos estaduais e federais
Há espaço para todos acessarem recursos privados por meio de créditos de carbono, desde que tragam benefícios adicionais para o clima. Mas se o desmatamento voltar a crescer, o lastro vai se esgotar, prejudicando a todos
Está em discussão no Congresso Nacional um projeto de lei para instituir o mercado regulado de créditos de carbono no Brasil. Até agora, opera no país o mercado voluntário, que continuará operando independente da regulação em lei. O ponto de partida da nova legislação é a definição dos setores da economia que mais emitem gases de efeito estufa, que devem reduzir ou compensar as suas emissões.
A comercialização de créditos de carbono permite que empresas, instituições ou pessoas compensem as emissões de gases de efeito estufa, resultantes de empreendimentos e atividades econômicas, pela aquisição de créditos gerados por projetos de redução dessas emissões ou da captura de carbono da atmosfera. Uma iniciativa para restringir os poluentes de uma indústria, o reflorestamento ou a conservação de uma área com vegetação nativa são exemplos desse tipo de projeto.
Como se sabe, a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa do Brasil é o desmatamento. Por outro lado, a grande extensão da floresta amazônica no país torna-o um grande candidato a iniciativas e políticas de geração de créditos de carbono florestal.
O projeto de lei sobre o mercado de carbono tramitou no Senado com celeridade, tendo a relatora, senadora Leila Barros (PDT-DF), aproveitado projetos já existentes, ouvido o governo e diversos segmentos, acolhendo sugestões e respeitando interesses legítimos para chegar à proposta, bastante consistente, que foi aprovada no plenário da casa e tramita, agora, na Câmara dos Deputados.
Considerando o alto grau de consenso alcançado no Senado, havia a expectativa de que a Câmara se pronunciasse logo, a tempo de permitir que os congressistas presentes à COP 28, a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU, nos Emirados Árabes Unidos, pudessem apresentar ao mundo a nova lei já promulgada. Não deu. A Câmara vai exercer a sua função revisora e votar emendas, que podem aperfeiçoar ou distorcer o projeto de lei, mas que ainda terão de ser aprovadas ou rejeitadas pelo Senado.
Exclusão
O relator do projeto de lei na Câmara, deputado Aliel Machado (PV-PR), divulgou uma proposta substitutiva que faz as duas coisas: facilita a inserção de projetos privados no mercado, inclusive projetos florestais de interesse de comunidades indígenas ou tradicionais, mas pretende vedar o financiamento privado e a emissão de créditos de carbono para os chamados projetos jurisdicionais, federais e dos estados, restringindo o mercado às iniciativas privadas.
Além de apequenar o nascente mercado regulado, essa proibição tem consequências graves no que tange a projetos baseados em “desmatamento evitado” (REDD), de escala local, que não têm como garantir, por si mesmos, no longo prazo, que o desmate no seu entorno não avançará para a área do projeto, o que depende, sobretudo, da atuação consistente dos órgãos públicos competentes.
Essa vedação atenderia interesses de empresas de consultoria que operam no mercado voluntário, que pretendem monopolizar o mercado regulado, apropriando-se, inclusive, de eventuais resultados positivos da ação fiscalizadora do estado, que, por sua vez, não poderia acessar os recursos desse mercado.
O mercado voluntário tem acolhido bons projetos locais de REDD em propriedades rurais e em territórios tradicionais. É muito importante que comunidades acessem recursos pelos serviços que prestam a todos nós protegendo os seus territórios. Em geral, os projetos para o mercado tendem a gerar retorno econômico mais rápido do que os projetos jurisdicionais.
Porém, muitos projetos de REDD valeram-se de metodologias e contabilidades “criativas”, que superfaturam resultados e tendem a produzir efeitos perversos para o clima, na medida em que geram créditos não lastreados em reduções de emissões de gases de efeito estufa efetivas, mas que vão “cobrir” emissões efetivas dos seus compradores. Certificadoras globais de projetos de carbono têm sido acusadas de validar créditos podres, de projetos sem adicionalidade climática, e têm suspendido a análise desses projetos para rever as metodologias pertinentes.
Reinclusão
Os projetos jurisdicionais, que estão sendo construídos pelos estados da Amazônia, baseiam-se na lógica de compensações por resultados. Captam recursos lastreados em reduções já efetivadas do desmatamento nos seus territórios, assim como faz o Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES. Trabalham, portanto, com a redução do desmatamento em escala, aferido por taxas oficiais, sem os erros contábeis que afetam projetos locais.
Os projetos estaduais ainda têm muitos problemas de formulação. Via de regra, eles incluem na sua contabilidade os estoques de florestas existentes em terras indígenas e outras áreas federais, mas não contemplam as respectivas populações, na mesma proporção, na distribuição de benefícios. Por outro lado, no contexto desses projetos, pode-se viabilizar o acesso de recursos também para comunidades e territórios mais distantes das frentes de desmatamento e do acesso a créditos de mercado.
É a redução do desmatamento, retomada no atual governo, que lastreia tanto os projetos privados quanto os jurisdicionais. Há espaço para todos acessarem recursos privados por meio de créditos de carbono, desde que tragam benefícios adicionais para o clima. Mas se o desmatamento voltar a crescer, o lastro vai se esgotar, prejudicando a todos.
A vedação proposta no projeto em tramitação na Câmara, se virar lei, vai afetar, de imediato, os projetos em construção pelos estados amazônicos no âmbito de iniciativas como o Programa LEAF, apoiado pelos Estados Unidos, Reino Unido e Noruega, mas que também disporá de recursos de empresas multinacionais que precisam de créditos para atingir metas legais. A proibição merece ser revista pelo próprio relator, pelo plenário, ou pelo Senado.