Os criadores perderam o controle sobre a criatura
Setores importantes da grande mídia, do empresariado, do aparato judicial e da política torceram e trabalharam, nas Eleições de 2018, para o êxito de um candidato de direita ou centro-direita. Inebriados pelo antipetismo para a ascensão da extrema-direita e de Bolsonaro à presidência da República. São seus criadores. Bolsonaro, a criatura.
Setores importantes da grande mídia, do empresariado, do aparato judicial (leia-se, Lava Jato) e da política torceram e trabalharam, nas Eleições de 2018, para o êxito de um candidato de direita ou centro-direita. Eles queriam Geraldo Alckmin. Mas, poderia ser Henrique Meirelles, Álvaro Dias, Henrique Amoedo… Porém, inebriados pelo antipetismo por eles mesmos fabricado – e diante do fracasso eleitoral do tucano e demais candidatos genéricos – acabaram colaborando, voluntária e involuntariamente, para a ascensão da extrema-direita e de Bolsonaro à presidência da República. São seus criadores. Bolsonaro, a criatura.
Esses mesmos setores toleraram, durante esse tempo que vai da campanha até aqui, toda a sorte de investidas contra a democracia, arroubos de totalitarismo e fortes indícios de envolvimento em corrupção e outros crimes, tanto de Bolsonaro e família quanto de membros de sua equipe. Tudo em nome de uma agenda econômica liberal à direita, conduzida por Paulo Guedes e seus Chicago Boys que, em tese, faria retomar o crescimento econômico.
Agora que os ataques passaram a se voltar contra eles próprios e o insucesso daquilo em que apostaram se torna cada vez mais evidente, ensaiam uma envergonhada “batida em retirada”, disfarçada de “agora ele passou dos limites”. Como se já não tivesse passado antes, inúmeras vezes, durante os seus 30 anos de trajetória política.
No caso da grande mídia, são diárias as agressões de Bolsonaro, tanto contra jornalistas que fazem a cobertura no “cercadinho” do Alvorada, quanto contra profissionais mais tarimbados. As ofensas, injúrias e grosserias proferidas em desfavor de Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães se tornaram exemplos emblemáticos da truculência, do despudoramento e da ausência de qualquer traço de apreço, por parte do presidente, pela liberdade de imprensa.
No caso do empresariado, não há ataques, mas ausência de respostas da Economia aos estímulos do ministro Paulo Guedes, aquele mesmo que fez piada com empregadas domésticas e defendeu a alta exacerbada do dólar. O resultado está descrito no artigo de 16/02 desta coluna.
No caso do aparato judicial, policial e do Ministério Público, aqueles que até bem pouco tempo atrás eram divulgados como heróis do combate à corrupção, paladinos da justiça, palmatórias do mundo, arautos da moralidade e vestais da honestidade hoje se tornaram, como no dizer do deputado federal Glauber Braga, meros “capangas de milicianos”, de quem só se ouve o silêncio.
No caso da política, volta e meia o presidente coloca o termômetro para aferir a aceitação do que poderia ser uma medida totalitária. Com o mesmo cinismo com que tentou colocar a culpa do descontrole ambiental em Leonardo DiCaprio e nas ONGs Ambientalistas, Bolsonaro costuma depositar, no Congresso Nacional e no STF, a razão das instabilidades políticas que ele mesmo causa – e que tanto mal causam ao país.
Sob a recorrente alegação de sabotagem, boicote, complô, conluio, conspiração e congêneres, o presidente tenta transferir a responsabilidade de seu insucesso a terceiros para justificar as pancadas que contra eles passa a desferir. No último episódio, o próprio Bolsonaro, em pessoa, convocou seus apoiadores para um ato que insinua o fechamento do Congresso Nacional e do STF. Atentou, sem nenhuma cerimônia, contra o regime democrático e contra o livre funcionamento dos poderes Legislativo e Judiciário, cometendo assim o crime de responsabilidade descrito no art. 85, inciso II, da CF/1988.
Se era de um pretexto que essa turma precisava para cessar o apoio a Bolsonaro sem que se sentissem desmoralizados por tamanho equívoco, pretextos não faltam.
O problema é que, mesmo com a batida em retirada desses importantes setores que até então lhe franqueavam apoio, a defesa de Bolsonaro não ficará restrita aos fanáticos adeptos do bolsolavismo terraplanista, obscurantista, obtuso e cretino. Há, no meio do caminho, alas consideráveis das FFAA e a “banda podre” das corporações militares estaduais, além de numeroso público evangélico, ludibriado pela cantilena de seus pastores neopentecostais ávidos pelas “vantagens” oferecidas por Bolsonaro a engordar suas já polpudas contas bancárias. Os criadores perderam o controle sobre a criatura. O risco de um golpe é iminente.