Nem autogolpe e nem impeachment
Bolsonaro nunca desceu do palanque. A pretexto de “comemorar” mil dias de mandato, ele viajou desesperadamente pelo país. Converteu a agenda autogolpista numa gincana reeleitoral.
As manifestações contra o governo, no sábado passado, contaram com um arco mais amplo de apoio político que as anteriores e mostraram que o bolsonarismo já não tem mais o monopólio das ruas – que vinha mantendo através de seguidas aglomerações, nos momentos mais agudos da pandemia.
Com o avanço da vacinação e a adoção de protocolos sanitários, as oposições vão se readaptando às ruas. No entanto, tudo indica que a retomada será penosa. A população, empobrecida, tem que se virar para chegar ao dia seguinte e o risco sanitário ainda é grande. A presença popular nas ruas não reflete a enorme rejeição ao presidente Bolsonaro. As oposições esperam um aumento gradual das manifestações pelo impeachment, mas ele será menos viável com a proximidade das eleições, cuja agenda vai se impor.
Por outro lado, Bolsonaro teve que desistir da escalada pelo autogolpe, em que investiu pesado até as manifestações antidemocráticas de 7 de setembro. Acuado por investigações e pela ameaça de prisão de um dos filhos, ele divulgou a carta de recuo sugerida pelo ex-presidente Michel Temer, seguida de declarações se submetendo às decisões dos demais poderes, inclusive em relação à urna eletrônica. Bolsonaro tentou, mas não reuniu apoio suficiente para constranger, pela força, os demais poderes.
No rumo das eleições
Bolsonaro nunca desceu do palanque. A pretexto de “comemorar” mil dias de mandato, ele viajou desesperadamente pelo país. Converteu a agenda autogolpista numa gincana reeleitoral. Foi vaiado em Belo Horizonte, reclamou da falta de público em Boa Vista e teve seu palanque derrubado por uma ventania em Maringá. Esperneia para manter os 25% de apoio que ainda detém.
Para se viabilizar como candidato, Bolsonaro precisa de mais, tem que mostrar uma chance de vitória. Ele quer dar aumento para os funcionários públicos, inaugurar obras e turbinar o Bolsa-Família. Mas a crise fiscal é aguda e ele tem que manter o orçamento paralelo, com as emendas parlamentares que lhe garantem o apoio do “Centrão” e o pacote de precatórios a pagar, ambos bilionários. Ele quer furar o teto fiscal.
Em matéria de eleições, é o Lula que está com a bola toda. As pesquisas indicam que, se as eleições fossem hoje, ele poderia chegar ao dobro de votos do Bolsonaro e seria eleito no primeiro turno. Lula tem sido o principal beneficiário do aumento da rejeição ao presidente. Ambos têm alta rejeição, mas a maioria percebe que os danos causados por Bolsonaro são mais graves para o país.
Lula prefere esse cenário de polarização. Trabalha para reforçar a sua hegemonia no campo da esquerda, no que está sendo favorecido pela decisão do PSOL de não lançar candidato a presidente, e busca o apoio do PSB, que ficou neutro nas últimas eleições. À direita, Lula não se empenha em articulações com o centro, onde vicejam pretendentes à “terceira via”, e busca apoios em partidos do “Centrão”, como o PP, para desestruturar e derrotar o Bolsonaro no primeiro turno.
Saia justa
Bolsonaro também prefere o cenário polarizado e boicota candidatos à terceira via. Ele espera driblar o teto fiscal para viabilizar a agenda populista, assim como acredita que não perde apoios à direita e ganha alguns mais ao centro, com a nova retórica de respeito aos demais poderes.
Só que, num remoto segundo lugar, Bolsonaro não anima ninguém além do seu próprio núcleo duro. Ele ainda está sem partido, o que desorienta os candidatos da sua base de apoio. O seu governo é pobre em resultados e realizações. Uma parte do PIB ainda o apoiaria contra o Lula, mas não para perder as eleições por antecipação.
Tem muita gente de saia justa, querendo apostar na tal terceira via. Mas há várias terceiras vias e há dúvidas sobre quem, nesse campo, tem o poder de aglutinar. Ciro Gomes se animou com o terceiro lugar nas pesquisas, mas coleciona atritos à esquerda e não parece confiável à direita. O PSD, que lhe deu a vice em 2018, fala em candidatura própria e oferece a sigla ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco que, assim como Luís Mandetta, está filiado ao DEM, que anunciou sua fusão com o PSL nesta quarta-feira (6) para criação de um novo partido chamado “União Brasil”.
Ainda há os nomes da senadora Simone Tebet, do MDB, única mulher cogitada, e do senador Alessandro Vieira, do Cidadania, com destacada atuação na CPI da Covid. Além do ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, que está vivendo nos Estados Unidos e esteve no Brasil na semana passada para contatos políticos.
Possível surpresa
Essa pluralidade de nomes é indicativa da baixa capacidade de aglutinação do governador de São Paulo, João Dória, do PSDB, que deveria liderar a terceira via pela posição de projeção e de poder que ocupa. Mas ele enfrenta oposição no seu próprio partido, que realizará prévias, em novembro, para escolher o seu candidato.
A disputa interna no PSDB está acirrada, com o crescimento do nome do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Ele se posicionou contra a reeleição, a favor das reformas econômicas e assumiu a sua condição de gay. Vem conquistando apoios importantes de sessões de outros estados, como Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Ceará.
Se derrubar Dória no PSDB, Leite protagonizará um fato político impactante no campo da terceira via. Poderá aglutinar esse espaço político difuso e atrair boa parte do PIB. Sua eventual candidatura afetaria a de Bolsonaro na região sul, onde é mais forte, e a de Lula, junto ao eleitorado mais jovem.
Enfim
A essa altura, não haverá golpe, nem impeachment. O Brasil caminha para as eleições e a campanha já está nas ruas. Quem ganhar, leva; quem perder, fica na oposição. E quem sobreviver, verá!