Como na arte, na moda o corpo humano sempre foi abordado muito naturalmente.

Essa censura estética que criadores brasileiros vêm sofrendo, é uma guerra simbólica que não apenas assusta, mas também rouba. Rouba dos criativos a energia que necessitam para transformar, transcender, transparecer, transgredir, transpor… ou quaisquer outras liberdades.

Ser livre é ser diverso. E esse tal diverso tem incomodado muita gente. Gente que se sente incomodada por ser alienada, que nos incomoda com seus incômodos por não ter conhecimento de causa a respeito de arte contemporânea (será que isso tá “na moda”?).

Se essa “mala onda” pega, jajá povinho vai parar um desfile de moda porque modelo tá pagando peitinho, ou mostrando “as partes”, ou sei lá, essa gente pode alegar criações “transparentes demais”, “curtas demais”, “justas demais”.

Imagina se essa gente deixaria acontecer tranquilamente uma cena como a protagonizada por um modelo lá em 2008, dentro do cenário do desfile da marca Rosa Chá na SPFW, tomando banho ao vivo, lindamente mostrando seu bumbum… nunquinha.

Criação do estilista brasileiro Lino Villaventura, que essa gente poderia achar “transparente demais”. Foto Ze Takahashi/FOTOSITE

Proposta da marca Chanel que acaba de ser apresentada em Paris. Se fosse no Brasil, essa gente poderia achar o look “curto demais”. Foto FOTOSITE

Em tempos onde terreiros e aldeias são tão abertamente atacados por essa gente, outra coisa que não rolaria com facilidade, ou seria alvo de muitos protestos: em 1952, Pietro Maria Bardi, o criador do MASP [Museu de Arte de São Paulo] realizou junto à sua equipe de artistas, artesãos, designers e estudantes das oficinas que aconteciam no museu, o desfile “Moda brasileira”, para o qual criaram uma coleção com 50 peças inspiradas na cultura popular, costumes e natureza do Brasil, pesquisando referências nacionais como o candomblé, traços afro-brasileiros e tramas indígenas, e criaram peças com estéticas preciosas, genialmente intituladas como, por exemplo, “Macumba”.

Estampa de pênis por Vivienne Westwood. Foto FOTOSITE

A estilista inglesa Vivienne Westwood não suporta revistas de moda e afirma se inspirar em museus de arte que frequenta. Em sua última coleção apresentada em Paris, mostrou criações com estampas de pênis; ela também criou um colar com pingente de pênis, tipo sensacional. Arte + moda. [Imagine ela, uma das maiores estilistas do mundo, tendo que passar pelo crivo dessa gente repressora solta aqui no Brasil!].

5 – O amor sob o olhar do estilista brasileiro Ronaldo Fraga, que essa gente poderia considerar pornográfico. Foto Ze Takahashi/FOTOSITE

E a performance que o Ronaldo Fraga apresentou em seu desfile em 2015 na SPFW, na qual um casal de modelos interagia entre si, trocando suas roupas na passarela – ela mostrando os peitos, e os dois de roupas íntimas com pênis e vagina desenhados – seria considerada pornográfica…

Ah mesmo que se tomar cuidado com essa gente, porque eles não têm um conjunto de pensamentos muito sofisticado. Pensando bem, essa gente pode até achar que tem poder pra impedir a circulação de revistas de moda com editoriais ousados, solicitar o bloqueio de textos e imagens de moda em internet, propor a censura de imagens históricas em livros técnicos, e por aí vai.

Vale questionar ainda quem anda por trás dessas ações, porque tendência$ só costumam ser boas para quem as fabrica.
Então taí: diante desse quadro social conturbado em que se encontra nosso país, supervale colocar nossas almas em nossos sonhos, “coletivar”, e desfrutar juntos da nossa capacidade de gerar mudanças.

O mundo da moda em rede faz da nossa conexão uma força in-fi-ni-ta. Sigamos praticando nossos saberes e fazeres de forma corajosa.

Moda não é roupa. Só. É cultura, comportamento, história. Também é um exercício de cidadania, legítima expressão. Com certeza, moda é vida e saber viver é uma arte.

#censuranuncamais