Por Marcio Santilli

Bolsonaro é escatológico. Assume a defesa da tortura e da eliminação física da diversidade. Mata por falta de vacinas e por excesso de armas. Vomita ódio todos os dias. Mente, humilha e demoniza desafetos.

Assim mesmo, o embate para o segundo turno está inacreditável. Logo após a apuração dos votos do primeiro turno, um tsunami de ódio racial se formou nas redes sociais bolsonaristas, atribuindo a uma suposta inferioridade dos nordestinos a diferença de seis milhões de votos de Lula para Bolsonaro. Não faltaram manifestações pelo atropelamento de pobres e pela separação do nordeste do resto do país.

Fonte: BBC/TSE

Tentando atenuar o efeito negativo dessas manifestações, Bolsonaro disse que o “nosso nordeste” é parte indissociável do país, mas que os “nossos nordestinos” produzem pouco e são muito dependentes de benefícios sociais, associando a insinuação de vagabundagem à opção preferencial por Lula.

Heresias

Créditos: Reprodução/redes sociais e Agência Brasil

Bolsonaro avalia que pode ampliar a sua votação entre os evangélicos no segundo turno, usando Michelle, a sua atual esposa, para radicalizar o discurso de intolerância religiosa. Ao mesmo tempo, profanou as festas católicas do Círio de Nazaré, em Belém (PÁ), e de Nossa Senhora, em Aparecida (SP). Porém, a sua volúpia inter-religiosa foi atropelada pela viralização de um vídeo que registra uma reverente visita eleitoral de Bolsonaro a uma Loja
Maçônica.

Evangélicos radicais logo expressaram profunda decepção com o oportunismo incoerente do seu suposto mito. Bolsonaro tentou minimizar, dizendo que o vídeo é antigo e que só flertou com a Maçonaria uma única vez. Assumiu o pecado e clamou pela tolerância, que não concede a ninguém. Não faltaram pastores demoníacos para minimizar a heresia presidencial.

Foi aí que veio à tona outro vídeo antigo, em que Bolsonaro, em visita ao batalhão de fronteira na Serra de Surucucus, em Roraima, teria cogitado comer a carne de um yanomami recém falecido, que ele supôs que seria cozida, ao tomar conhecimento, de forma equivocada e preconceituosa, dos rituais de cremação feitos pelos Yanomami.

Mais uma vez, Bolsonaro alegou a antiguidade do vídeo e que a sua postura de potencial canibal teria sido tirada do contexto. Mais um “pecadinho de nada” a ser perdoado. No TSE, Bolsonaro conseguiu a proibição da veiculação do vídeo canibal, mas o assunto continuou rendendo nas redes sociais.

“Pintou um clima”

A essa altura, acuados na defensiva, os produtores de fake news da campanha do presidente recorreram ao TSE para tentar censurar as redes sociais do deputado André Janones, aliado de Lula, a quem atribuem a estratégia de denúncias pesadas contra Bolsonaro. Com isso, reconheceram a sua eficácia. Só que a próxima bomba foi de fabricação caseira. Sábado à tarde, o próprio Bolsonaro divulgou uma gravação dizendo que, num passeio recente de moto por São Sebastião, região administrativa do Distrito Federal, avistou e abordou um grupo de adolescentes
venezuelanas, “bonitinhas e arrumadinhas”, que só poderiam estar assim numa manhã de sábado para poderem “ganhar a vida”. Disse, ainda, que “pintou um clima”, que despertou nele o desejo de entrar na casa das meninas.

Crédito: reprodução/redes sociais

Após essa declaração nojenta, uma senhora venezuelana que estava presente no evento em que Bolsonaro apareceu, informou que ali se desenvolve um projeto social, de acolhimento e de treinamento profissional para refugiados, que inclui a aprendizagem de serviços de estética. A senhora afirmou que a insinuação de prostituição feita pelo presidente mostra que ele não entendeu nada do que viu e ouviu.

Canalhice ou pedofilia?

A repercussão negativa dessa fala foi acachapante até para os seus próprios apoiadores. Ainda na madrugada de domingo, Bolsonaro voltou às redes para explicar o inexplicável, dizendo que “a oposição ultrapassou todos os limites” ao editar maldosamente o vídeo. No entanto, não houve edição, a gravação foi ininterrupta e o seu conteúdo, embora grotesco, foi da sua própria lavra: uma confissão de intenções pedófilas contra meninas venezuelanas refugiadas. Porém, o TSE proibiu que se publique a sua qualificação como pedófilo.

Ainda assim, o assunto continuou rendendo. Michelle Bolsonaro e Damares Alves foram a São Sebastião para tentar obter alguma declaração das venezuelanas para usar no horário eleitoral na TV, mas elas se recusaram. Teriam pedido uma retratação pública do presidente, em troca de um “pacto de silêncio”. Bolsonaro gravou, então, ao lado da Michelle e da representante da oposição venezuelana junto ao seu governo, Maria Tereza Belandria, um “pedido de desculpas” em que, na verdade, voltou a acusar a oposição.

Sabe-se lá o que nos espera nesses dez dias que antecedem o segundo turno das eleições. Bolsonaro vai continuar acusando Lula de querer fechar igrejas e obrigar meninas a usarem o mesmo banheiro dos homens. Vamos ver quantos ainda se deixam levar pela conversa fétida de quem se confessa como o pior.

É por essas e outras que 55% dos jovens brasileiros deixariam o país se tivessem a oportunidade, de acordo com a pesquisa Branding Brasil, que revelou uma percepção
bastante negativa dos jovens em relação à situação atual do país. A mesma pesquisa aponta uma esperança: para 65% dos entrevistados, o Brasil tem tudo para ser a maior potência ecológica do mundo. Essa esperança também deve nutrir a certeza de que logo mais conseguiremos sair desse horroroso buraco histórico em que estivemos confinados pela canalhice política nos últimos anos.