BBB e racismo
Por Walkíria Nictheroy, professora e vereadora em Niteroi, no Rio de Janeiro.
Por Walkíria Nictheroy*
Não é novidade que as edições do BBB têm trazido à tona polêmicas que estão ebulindo na sociedade. No entanto, o jogo é sempre muito bem montado para que entre as “minorias” que entram na casa tenham defensores da narrativa hegemônica. Ou seja: o fato das edições terem mais negros e LGBTQIA+ não garante que o debate travado será saudável, pedagógico e, menos ainda, favorável a estas mesmas minorias.
A convocação dos participantes envolve uma análise da vida, redes sociais e posições políticas de cada um. O jogo é feito pra pegar fogo, entreter. Mas, desde quando os Brothers passaram a integrar grupos minoritários, o programa assumiu também um lugar político acentuado, que nas últimas edições têm sido o de confundir e minar os conhecimentos e organizações de diversas pautas conquistadas com suor e luta.
No BBB 20, que fez da Thelma campeã, comemoramos a vitória de uma mulher negra. No entanto, a edição foi marcada pelo debate feminista e associação entre as mulheres da casa. Em detrimento, inclusive, de diversos racismos sofridos pelo Babu. Mas, o “feminismo venceu! As mulheres venceram”.
Na edição seguinte, não deu outra, o debate racial foi o centro devido à participação de figurinhas muito bem selecionadas e já envolvidas em uma ou outra polêmica aqui fora. Na expectativa do público, poderiam fazer a Wakanda do BBB. Rapidamente o sonho se desfez e a grande imagem que permaneceu foi a de desunião e ódio entre os negros. Um show de racismo escancarado contra Karol Conká e companhia, velado sob a desculpa dos comportamentos da cantora.
O que o povo aprendeu sobre racismo? Absolutamente nada! Viu negros se traindo, agindo pelas costas e mais uma vez pavimentando o caminho do discurso de que “somos todos iguais…gente boa e ruim têm de toda cor”.
Na atual edição a presença de uma galera LGBTQIA+ passa a sensação de que teremos fortes debates sobre a questão. No entanto, a primeira polêmica do jogo começou novamente acerca do racismo. E, antes de qualquer análise lembrem-se: Naiara e Natália não caíram ali à toa!
Uma vai mostrar como a boa branca, não racista e não preconceituosa, olha todos como iguais e sem distinção. O discurso que historicamente silenciou as violências sofridas pelos negros, sob a desculpa de que o fim da escravidão tornou todos iguais. A outra está ali para mostrar ao Brasil que nem todo negro é “mimizento” e que “racismo reverso” existe sim!
E o resultado não poderia ser outro! Acordamos já com o cancelamento da Natália, que alegou que a escravidão se deu pela “capacidade” dos negros em executar trabalhos. Vou nem me alongar explicando que a escravidão se deu pela necessidade de acumulação [de riqueza] europeia que se utilizando da religião, categorizou os povos que desejava dominar como “sem almas”. Logo, propriedade branca, coisas.
É cruelmente genial a maneira como a mídia mina nossas construções utilizando os nossos. Infelizmente, a fala da Natália chegou a milhões de brasileiros. Nosso debate militante não sei.
Ainda assim, cabe ressaltar: a notícia deste dia foi Natália, enquanto Naiara já havia proferido diversas opiniões racistas, inclusive de que “estava surpresa de ver uma mulher preta e inteligente”. Na primeira noite, a participante jogou seu discursinho de que “somos todos iguais e não vejo raça, vejo gente”. Mas ainda sim, a vilã do dia é a mulher preta, que destituída de sua identidade e saberes de seu povo reproduz o discurso opressor.
Já sabemos bem onde essa história termina e quem vocês vão odiar até o fim do jogo. Sabemos quem seguirá sua vida ganhando dinheiro e cantando e quem irá para a sarjeta da mídia.
E foram só 24h…
*Walkíria Nictheroy é professora e vereadora em Niteroi, Rio de Janeiro.