Daniel Zen: O que esperar do Governo Bolsonaro?
Nada se espera de um enorme vácuo nos discursos de posse de Bolsonaro e um não-programa de Governo apresentado por sua equipe de ministros.
Não há muito o que esperar do Governo Bolsonaro. Não se trata de torcer contra ou de não ter esperança de que as coisas melhorem, mas, de não haver o que esperar (e nem o que “esperançar”) de uma equipe que consumiu todo o período de transição com “balões de ensaio” e “cortinas de fumaça”. Não há (ou, ao menos, não foram apresentados à sociedade) programas, projetos ou propostas de políticas públicas, com ações concretas, que possam refletir em melhoria na qualidade de vida das pessoas e pelas quais possamos torcer para que dêem certo.
Até aqui, salvo uma ou outra exceção, não restou demonstrado que os membros do Gabinete Ministerial detenham o essencial para que esse mandato seja minimamente bem sucedido: conhecimento técnico em sua respectiva área de atuação governamental e um bom Plano de Governo. Ao contrário disso, tanto quanto na caixa craniana de seu Líder Maior, habita o vácuo. Esse verdadeiro vazio de ideias e de conteúdo útil restou demonstrado em ambos os discursos de posse do Presidente, tanto no Congresso, quanto no parlatório do Palácio do Planalto, uma verdadeira coletânea de tuítes, memes e chavões de campanha: libertar o Brasil do “socialismo” (experiência que nosso país nunca vivenciou), do “politicamente correto” e das “ideologias nefastas” foram algumas das pérolas de uma fala dirigida muito mais aos seus fanáticos seguidores do que ao conjunto do Povo Brasileiro ou às nações amigas.
O oco presente no lugar do cérebro do Comandante-em-Chefe está refletido no ideário e no “não-programa” de sua equipe. Senão vejamos:
Na Economia, as prioridades anunciadas pelo Ministro, Paulo Guedes, são a reforma da previdência que, no formato proposto, coloca apenas na conta do trabalhador o ônus de conter o déficit previdenciário, estimulando a proliferação dos regimes de previdência privada, baseados na capitalização individual, que extirpa do nosso modelo contributivo/redistributivo as demais facetas da seguridade social; a agenda de privatizações que, a pretexto de livrar-se de um certo entulho estatal – o que seria, até certo ponto, positivo – procura repassar o filet mignon das empresas públicas e sociedades de economia mista a conglomerados multinacionais do capital internacional; e os cortes nas contribuições do Sistema S, sucateando o pouco de ação social que as entidades patronais da indústria, comércio, transporte e demais setores produtivos ainda praticam em prol de seus trabalhadores. De bom, apenas a anunciada “simplificação de impostos”, ponto fora da curva que, se concretizada, será muito bem vinda diante do cipoal que é o sistema tributário brasileiro.
Nas Relações Internacionais, o Chanceler, Ernesto Araújo, um ardoroso seguidor do pseudo-filósofo, místico e astrólogo Olavo de Carvalho, já fez declarações constrangedoras sobre o conjunto dos Países Árabes, o Mercosul e a China, simplesmente os três principais parceiros comerciais do Brasil, posto que são os três maiores importadores de produtos brasileiros. Tal preterição se dá em favor de estreitar laços com os EUA e Israel, por certo parceiros importantes, mas cuja participação na balança comercial não tem, nem de longe, o mesmo peso dos demais. Justo aqueles que acusam os governos anteriores de priorizar relações internacionais por “questões ideológicas”, passam a priorizar relação com EUA e Israel por motivos meramente… Ideológicos! Afora que rezar “Ave Maria” em tupi-guarani é, mais do que uma demonstração desnecessária de erudição, um contra senso: é o símbolo máximo do aculturamento em um governo que, em seu primeiro dia útil de trabalho, retira da FUNAI a atribuição quanto à identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas. Como disse Bernardo Mello Franco, é o “samba do diplomata doido”. Não se concebiam tamanhas idiotices desde antes da fundação do Itamaraty.
Na Educação, o mesmo anticomunismo paranóico que orientará as relações exteriores se prenuncia como princípio norteador da agenda educacional, já que, como nas palavras do próprio Presidente, há que se “combater o lixo marxista que se instalou nas instituições de ensino”. Os “grandes temas” suscitados pelo Ministro, Vélez Rodríguez (outro seguidor de Olavo) foram a abolição de Paulo Freire das escolas (reconhecido mundialmente pela excelência de sua obra); a instituição do projeto “Escola sem Partido” que, sob o pretexto de “desideologizar” o ensino, quer instituir uma pedagogia da ideologia unicista, do monismo e do monoculturalismo, extirpando o pluralismo pedagógico e o multiculturalismo das escolas; e, por fim, estabelecer a “censura prévia” sobre questões do ENEM, de modo que não venham a abordar temas considerados “proibidos” pela Gestapo Bolsonarista. Para eles, todas são medidas importantes contra um suposto e ilusório “marxismo cultural” que deve ser combatido, tal qual Dom Quixote combatia os moinhos de vento. É rir pra não chorar…
Na Segurança, afora o anúncio de algumas medidas operacionais para os presídios, feitas pelo Ministro Justiceiro, Sérgio Moro, a bala de prata do futuro governo é a facilitação do acesso à posse de armas de fogo. Confesso que não tenho opinião formada, favorável ou contrária, à tal medida. Contudo, não há estudo sério e conclusivo que relacione a ampliação da posse ou porte de armas com a redução da criminalidade ou violência. Porém, de outra banda, há estudos sérios que apontam que a posse ou porte massivo de armas de fogo gera o aumento de casos de morte por acidentes domésticos, uso e emprego da arma em discussões banais (como brigas em família, de trânsito ou entre vizinhos), tiroteios em escolas por alunos que sofrem de problemas psicológicos (como acontece, recorrentemente, nos Estados Unidos) e assim por diante. A medida, embora sem eficácia, dialoga com os desejos e anseios da população por mais segurança e agrada, sobretudo, as indústrias armamentistas.
Na Saúde, não houve sequer alguma proposta de relevo ventilada até agora, há não ser o flerte com a ampliação das benesses a planos privados de saúde, em detrimento de um SUS universal.
Em todas estas e também nas demais áreas de Governo, assim como em ambos os discursos de posse do Presidente, observa-se algo que orienta a ele e à maioria dos membros de sua equipe: um obstinado – e imbecilizado – combate ao que eles denominam de “viés ideológico”. O termo ideologia pode ter diversos significados, mas aqui não é outro senão o conjunto estruturado e sistemático de ideias, convicções filosóficas, sociais, políticas, de visões e interpretações de mundo de um indivíduo ou grupo de indivíduos. O próprio Presidente, seu partido político, sua equipe e, via de conseqüência, todo o seu governo possuem a sua própria ideologia que, consagrada vencedora nas urnas, deve ser colocada em prática. O que demonstra que essa investida contra o que eles chamam de “viés ideológico” é, na verdade, o combate a ideologia de seus adversários, em um movimento que tenta imprimir um conceito de ideologia única (a deles). Não há problema que alguém pense diferente de mim. O problema é quando esse alguém começa a achar que o meu pensamento não possa existir por ser diferente do dele. Essa é uma visão – e ação – própria de regimes totalitários, sejam eles de esquerda ou de direita, algo típico de quem tem dificuldades de dialogar com os diferentes e com as diferenças.
No contrafluxo da ausência de propostas, recaem sobre o Presidente e sua família fartas e robustas denúncias de esquemas de corrupção e relações obscuras, típicas de quem habitou, por décadas, a sarjeta e os pântanos da política – no caso, o chamado “baixo clero” da Câmara dos Deputados.
Não sou adepto das teorias da conspiração, mas, o vídeo-documentário intitulado “A facada no mito” é revelador. Se os seus autores, ainda anônimos, com uma acurada análise de imagens, conseguiram observar movimentações e contatos suspeitos entre Adélio Bispo e os seguranças da equipe de Bolsonaro, no dia do suposto “atentado” em Juiz de Fora-MG, imagina o que a Polícia Federal não conseguiu descobrir.
Quer dizer que, além da mistura de laranjal com lavanderia, personificada na figura de Fabrício Queiroz, ex-assessor, amigo pessoal do Presidente e homem forte da “Famiglia”; da assessora fantasma do então Deputado Federal e hoje Presidente (a Wal do Açaí), contratada e paga, com dinheiro público, para alimentar os cachorros do patrão em sua casa de veraneio em Angra dos Reis-RJ; o recebimento de doação ilícita de R$ 200 mil da JBS, lavado no partido e devolvido ao então parlamentar, para uso em uma de suas campanhas à Câmara Federal; o uso ilegal de disparos em massa de mensagens falsas de WhatsApp, durante a campanha presidencial, pagos, ilicitamente, com recursos de caixa 2 eleitoral; o patrimônio da família, declarado em R$ 6 milhões, porém, avaliado em R$ 15 milhões; repousam, também, sobre o Presidente, suspeitas de conluio para orquestração de um atentado fake, hipótese em que ele não teria sido vítima e sim algoz de uma ardilosa trama. Sem contar que vale investigação do envolvimento de membros da Família Bolsonaro com milícias e, via de conseqüência, com o assassinato de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson.
Não se tratam apenas de ilações ou de acusações vazias, injuriosas, caluniosas ou difamatórias. Aliás, nem acusações são. São apenas indícios, porém, suficientes para que sejam deflagradas as respectivas investigações, posto que apontam para a prática de corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio, elisão fiscal, sonegação de tributos, falsidade ideológica e estelionato, crimes estes que se dessumem dos diferentes casos que envolvem não só a figura do Presidente, mas também de seus filhos parlamentares, sua esposa e diversos de seus antigos assessores.
Sendo assim, a pergunta é: por que não investigar? Haveria um esforço institucional para barrar, blindar ou para manter em sigilo a apuração de tais fatos? Por que razão o Ministro da Justiça, paladino do combate a corrupção (dos outros), está comprometido com o sigilo de tais apurações? Por qual motivo haveria ele de decretar a censura ao presidente, conselheiros e servidores em exercício do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), como foi feito no último dia 03/01? Se são bobagens, que sejam logo esclarecidas e desveladas como tal. Mas, são perguntas que, em um legítimo Estado Democrático de Direito, não poderiam ficar sem respostas…
Quer ficar com a pulga atrás da orelha? Assista abaixo ao vídeo “A facada no mito”: