Brinde de sangue
Assim como Netanyahu, Trump agora depende de sangue para ficar no poder.
No final de semana que passou, os EUA assumiram, de vez, que estão em guerra e passaram a bombardear diretamente o Irã. Até então, Israel vinha fazendo sozinho, há mais de uma semana, esse “serviço sujo” (nas palavras do chanceler alemão, Friedrich Merz). Com isso, Trump atropelou o Congresso, a quem compete aprovar a declaração de guerra, e o seu próprio discurso como candidato à Presidência, de não intervir em “guerras que não são nossas”.

O “serviço sujo” começou em meio a rodadas de negociações, supostamente pacíficas, entre o Irã e os países da OTAN, sobre o programa nuclear e a capacidade de produzir bombas atômicas de Teerã. Israel alega que isso era iminente e que os iranianos usavam as negociações para ganhar tempo. Em contrapartida, estima-se que os israelenses tenham cerca de 90 bombas nucleares, embora não tenham assinado o tratado internacional de não proliferação desse tipo de armamento.
O principal argumento dos países da OTAN para justificar o apoio à Ucrânia é a defesa de seu povo contra a agressão russa, em fevereiro de 2022. Da mesma forma, o ataque do Hamas, em outubro de 2023, serviu de justificativa para Israel dizimar a Faixa de Gaza. Mas, e agora? Ao tomar a iniciativa de atacar o Irã de forma deliberada, Israel se assume como um estado terrorista? E Trump? Arrumou uma guerra para chamar de “nossa”?
FORÇA & FRAQUEZA
Netanyahu vinha sofrendo pressões crescentes em seu país, com investigações sobre o seu envolvimento em corrupção, confrontos com o Judiciário e grandes protestos nas ruas. A invasão do Hamas mostrou uma inesperada fragilidade na fronteira sul de Israel, que não chegou a ser profundamente discutida em contexto de guerra. Mas também serviu como tábua de salvação para o próprio Netanyahu, que depende da guerra para se manter no poder.

Tudo indica que Israel esteja sofrendo menos baixas e danos que o Irã. O seu sistema de abrigos é mais eficiente e a população, muito menor, é melhor treinada. Várias usinas nucleares iranianas foram danificadas. Mas a defesa antiaérea israelense, tida como infalível, foi superada parcialmente por chuvas de mísseis iranianos, mostrando que o país é mais vulnerável do que se supunha.
Não é crível que o ingresso dos EUA na guerra derive da falta de armas por Israel, como as bombas GBU-57A/B e os aviões B-2 Spirit, que as carregam, as únicas capazes de detonar instalações nucleares subterrâneas. Se fosse só isso, bastaria terceirizar o serviço sujo, outra vez, ou dar a Israel uma banana, como faz com a Ucrânia.
DITADURA & GUERRA
É evidente que há uma vontade política superior nessa história. As bases norte-americanas no Oriente Médio participaram ativamente do escudo protetor a Israel, assim que o ataque ao Irã foi desferido. Todos sabiam, desde antes, que alvos profundos demandam bombas desse tipo. Israel não deflagraria uma guerra contra o Irã para colocar a língua de fora dez dias depois.
O governo norte-americano só poderia entrar em guerra sem a prévia autorização do Congresso se os EUA fossem diretamente atacados. Trump está usando a encenação de Israel como uma cortina de fumaça para atropelar toda e qualquer objeção. Avalia, provavelmente, que a má reputação do governo iraniano entre os norte-americanos poderia reverter alguns pontos recém-perdidos nas pesquisas.
Numa dessas, Trump também atropelou a sua própria alma, ou o que dela restou, que é, ou foi, o movimento MAGA, “Make America Great Again”, que deu suporte ao seu retorno à Presidência. Não se meter em “guerras que não são nossas” é um princípio básico do grupo. Trump pode estar trocando o certo pelo duvidoso.
Fato é que o governo Trump sofre de emagrecimento precoce. Em poucos meses, acumulou erros e conflitos. Promoveu uma guerra tarifária contra os seus principais parceiros externos e, nos EUA, abriu várias frentes de conflitos com o Banco Central, imigrantes, refugiados, empresários, minorias, Judiciário, universidades e adeptos do MAGA. Assim como Netanyahu, Trump agora depende de sangue para ficar no poder.