B de Brics (e não B de Bolsonaro)
Trump ameaçou os países do BRICS com tarifas de 100% sobre os produtos que exportam para os EUA caso decidam abandonar o dólar.
Em 9/7, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a cobrança, a partir de 1/8, de uma taxa de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil. A decisão foi comunicada por uma carta ao presidente Lula, que começa dizendo que o ex-presidente Jair Bolsonaro, que ele tanto aprecia, está sendo muito maltratado “pelo Brasil”.

A carta de Trump também alega supostas injustiças comerciais e um déficit para os EUA, no caso, inexistente, deixando a impressão de que aquela parte do texto não passava de uma cópia mal feita de outras cartas, enviadas aos países com os quais os norte-americanos supostamente mantêm déficits comerciais. Um equívoco pelo outro, a mídia reforçou a tese da “tarifa Bolsonaro”.
A tese combinou com o empenho do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se autoexilou nos EUA para articular a interferência de Trump no julgamento do seu pai por tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF). Com o anúncio da tarifa, Eduardo, em êxtase, passou a fazer exigências aos poderes da República para evitar sua concretização.
Bumerangue
Só que o impacto da medida foi imenso. Foram suspensas as encomendas de vários produtos, que só poderiam chegar aos EUA após o início de agosto. Exportadores de produtos industriais e agrícolas, de aviões a laranjas, tentam negociar com autoridades e parceiros comerciais a revogação ou redução da tarifa. Entre eles, apoiadores de Bolsonaro que se sentiram traídos por ele rifar a economia por interesse pessoal.
Os presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre (União-AP) e Hugo Motta (Republicanos-PB), logo reagiram à tentativa de chantagem, sinalizando que não será votado o projeto de lei para anistiar Bolsonaro e outros golpistas. Os congressistas do centrão não apoiaram o tarifaço, a extrema direita rachou, os defensores da medida tiveram que arrancar as máscaras de patriotas e ficaram isolados.
Logo após a carta de Trump, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou as suas alegações finais no julgamento sobre a tentativa de golpe e pediu a condenação de Bolsonaro e dos demais. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, rechaçou a tentativa de ingerência de Trump.

Em outro inquérito, o ministro do STF Alexandre de Moraes acolheu suspeita da Polícia Federal de que Bolsonaro estaria preparando sua fuga para os EUA. Por isso, determinou o uso de tornozeleira eletrônica e a realização de uma operação de busca e apreensão na casa dele.
O presidente Lula rechaçou a carta de Trump e disse que o Brasil esgotaria todas as possibilidades de negociação, mas reagiria com base na Lei da Reciprocidade, caso a tarifa entre em vigor. Lula falou, em rede de rádio e televisão, sobre a ameaça de Trump e a traição ao Brasil pelos Bolsonaro. Até aqui, a agressão de Trump fortaleceu o governo. Ela será um tema central da campanha eleitoral de 2026.
$Dólar$
Há elementos ocultos nessa história que sugerem que ela não se desenrola, propriamente, no “B” de Bolsonaro, mas pode ter a ver com o “B” dos BRICS. Eduardo et caterva estão, há meses, tentando provocar retaliações contra o Brasil. Mas o tarifaço só foi anunciado no dia seguinte à reunião dos BRICS, no Rio de Janeiro, presidida por Lula, em que foram discutidas alternativas ao dólar como referência nas transações comerciais.
Mais relevante foi que o clã Bolsonaro reivindicava de Trump sanções contra Alexandre de Moraes e outros ministros do STF, que, afinal, também vieram. Mas reagiu com surpresa à tarifa dos 50%. Eduardo sorria como uma criança que ganhou um presente além do esperado, enquanto, para outros, foi além do suportável.

Para Trump, é muito bom poder dispor de vassalos, dispostos a apoiá-lo em qualquer hipótese, nos países que ele agride. Bolsonaro, na iminência da prisão, é uma presa fácil. Convém a Trump usar Bolsonaro como cortina de fumaça, como se, na pendenga com o Brasil, houvesse algum mérito, além do dólar.
Trump ameaçou os países do BRICS com tarifas de 100% sobre os produtos que exportam para os EUA caso decidam abandonar o dólar como referência comercial. Significaria um virtual rompimento das relações comerciais. Ele chegou a dizer que perder a batalha pelo dólar equivaleria a perder a terceira guerra mundial.
Agosto vem aí e vamos ver o que Trump efetivamente vai colocar na mesa. Não há contradição relevante no comércio bilateral e a agenda Bolsonaro é inviável. Tudo indica que a questão do dólar virá à tona. Pode ser que ele queira detonar os BRICS a partir do “B”, de Brasil. Seria prudente consultar os parceiros da BRICS para calibrar a eventual reação brasileira.
Cresceu o apoio popular a Lula com o amplo repúdio da opinião pública ao tarifaço e com a trairagem dos Bolsonaro. Porém, a questão do BRICS e do dólar como lastro das operações comerciais é bem mais complexa e não dispõe do mesmo grau de entendimento e de apoio. Há uma demanda de informação e de mobilização para reduzir o dano Trump.