Os ministros Silvio Costa, dos Portos e Aeroportos, e do Planejamento, Simone Tebet, estiveram terça-feira passada em Tabatinga (AM), na região do Alto Solimões, na fronteira com a Colômbia e o Peru. O objetivo da visita foi inspecionar o porto local e anunciar a execução do “Projeto Multimodal Manta-Manaus”, para viabilizar o transporte de cargas entre a Amazônia e a Ásia, sem passar pelo canal do Panamá. Essa rota reduziria o tempo e o custo para insumos oriundos da China abastecerem as indústrias da Zona Franca de Manaus.

Visita dos ministros Costa Filho e Tebet ao Porto de Tabatinga | Foto: Alex Pazuello

Essa rota, a partir do porto de Manta, no Oceano Pacifico, atravessa por rodovias todo o Equador, inclusive a Cordilheira dos Andes, até o porto de Providência, no Rio Napo, e daí, por via fluvial, atravessa o norte do Peru e a região de Letícia, no sul da Colômbia, seguindo, em território brasileiro, pelo Rio Solimões até Manaus.

Tebet informou que as principais deficiências a serem enfrentadas são a inexistência de uma alfândega no porto de Tabatinga e a dragagem do leito do Solimões, que são “possíveis e factíveis”. O anúncio não contou com a participação de representantes dos demais países envolvidos. Os ministros nada disseram sobre as condições de navegabilidade rio acima, nem sobre a capacidade das rodovias equatorianas.

ESTIAGEM

O governador do Amazonas, Wilson Lima, participou da visita e disse que “essa é uma rota fundamental, porque vai nos criar mais uma alternativa e uma alternativa muito mais interessante que as que a gente utiliza hoje”. Disse, ainda, que ela vai melhorar o escoamento da produção do Polo Industrial de Manaus no período de seca.

Imagem: Reprodução do mapa do Projeto Manta-Manaus

Ele deve ter se enganado, pois as indústrias de Manaus importam muito mais do que exportam para a Ásia, e também porque, na seca, são piores as condições de navegação rio acima. Os ministros não falaram sobre o impacto de secas agudas, como a do ano passado, no funcionamento da rota. A dragagem “factível” do Solimões pode ter sido uma menção indireta de Tebet à seca, mas que não considerou os cenários climáticos para o futuro.

Os cientistas estimam que, nos últimos 30 anos, o aumento da temperatura reduziu em 42% a extensão das geleiras dos Andes. O degelo em excesso, que provoca, de imediato, grandes enchentes, significa, ao longo do tempo, menor disponibilidade de água para boa parte dos rios formadores da bacia amazônica, inclusive o Rio Napo. Além disso, o El Niño, o aquecimento das águas do Atlântico Equatorial e o avanço do desmatamento em outras regiões da Amazônia tendem a afetar a disponibilidade de chuvas. O cenário é de secas severas mais frequentes.

OS “RUSSOS”

Técnicos da FIEAM, Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, são mais céticos quanto ao custo-benefício do projeto. Dizem que, no mapa, ele faz sentido, mas que, quando se analisa cada trecho de rio e de estrada, a coisa fica bem mais complexa. E que há dificuldades aduaneiras, dado o envolvimento de quatro países. Desvantagens comparativas em relação à rota pelo Canal do Panamá.

Também cabe perguntar qual seria o interesse do Equador, Colômbia e Peru em investir numa rota para facilitar o acesso a Manaus dos insumos da China. Obra pela obra?Tarifas? Serviços? A rota poderia valer a pena só para fortalecer as relações entre os quatro países, mas não é o que se propõe.

Governantes da província equatoriana de Sucumbío, onde fica o Porto de Providência, estiveram em Manaus para defender o projeto. A rodovia até Manta atravessaria a província e a integraria melhor ao resto do país. Porém, se o trânsito de veículos, embarcações e pessoas aumentar muito, impactos socioambientais relevantes seriam esperáveis.

Homens armados invadiram a emissora TC, em Guayaquil, durante transmissão ao vivo | Reprodução Canal Alerta News 24

A situação política do Equador é crítica. Em janeiro, o governo central enfrentou um levante promovido pelo narcotráfico. O México rompeu relações diplomáticas com o Equador, após a invasão da sua embaixada em Quito pela polícia para prender um adversário político do atual presidente, Rafael Noboa. As relações entre Colômbia e Peru também não andam bem, o que dificulta projetos em parceria.

É muito forte a presença do crime organizado na região. Tráfico de armas e de drogas, contrabando de mercadorias, assassinatos e pirataria. Investimentos em segurança pública, que ainda não foram feitos pelas vidas em risco, teriam que ser feitos para garantir o trânsito dos insumos. Tebet sabe disso e, de Tabatinga, falou com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para sinalizar que algo também se fará nesse front.

Parece que Simone Tebet não consultou os “russos” quando afirmou, em Tabatinga, que o projeto da rota Mantra-Manaus estará concluído em 2025 ou 2026. A menos que ela esteja se referindo apenas à construção de uma alfândega e a dragagem do rio. Mas são obras insuficientes para viabilizar o trânsito pela rota, em substituição ao Canal do Panamá.

A visita ministerial a Tabatinga atende à recomendação feita pelo presidente Lula a seus ministros para dar visibilidade pública às suas ações. Tebet informou que o Ministério do Planejamento aprofunda estudos sobre o projeto há quatro meses. O anúncio da sua execução visou diretamente a opinião pública do Amazonas. Mas é melhor andar devagar com o andor, pois o santo é de barro!