A falácia do projeto de “lei anti crimes” de Sérgio Moro
O pretensioso e auto denominado projeto de “lei anti crimes”, de autoria de Sérgio Moro, é de um amadorismo sem precedentes na história da política criminal e do direito brasileiro.
O pretensioso e auto denominado projeto de “lei anti crimes”, de autoria do Ministro da Justiça, Sérgio Moro, é de um amadorismo sem precedentes na história da política criminal e do direito brasileiro. Com a proposta de alterar 14 leis já em vigor no país, o PL sugere diversas medidas que apontam para o encarceramento máximo, o endurecimento do regime de execução e para a ampliação de penas para determinados crimes. Até aí, nada de novo, louvável, até certo ponto. No entanto, o PL chama a atenção sobre três aspectos:
O primeiro deles é a pretensa “regularização” da execução antecipada da pena, ou seja, a autorização da prisão após condenação em segunda instância. Já escrevi em outros artigos (publicado aqui no portal em 08/04/2018) que o entendimento que autoriza a prisão após decisão em segunda instância, antes do trânsito em julgado final da sentença penal condenatória é uma flagrante ofensa ao princípio da presunção de inocência, direito fundamental previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal.
O sentimento de impunidade da população não pode ser “compensado” com uma afronta à Constituição.
Pior do que a pretensa impunidade é o abuso de prisões preventivas, provisórias e de cumprimento antecipado de penas que ainda não se confirmaram por completo. Se a justiça é morosa e o sistema recursal é excessivo, a ponto de postergar, ad infinitum, o início do cumprimento de penas, não é com o postulado do “encarceramento máximo” que se irá resolver tal impasse. Afinal, não se pode agir com farisaísmo quando estamos tratando de direitos e garantias fundamentais do cidadão.
O projeto de lei segue com outro absurdo, em se tratando de política criminal: os dispositivos que tratam do alargamento das hipóteses de excludente de ilicitude para casos de homicídio, quando praticados por policiais, desde que acometidos de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Na prática, é a transformação do “auto de resistência” em inocência automática ou, como no dizer de Guilherme Boulos “é a legalização da pena de morte, sem julgamento, praticada por agentes públicos”.
É claro que se um policial, no exercício de sua função de servir e proteger, tem como resultado de sua ação o óbito de outrem, não pode ele ser processado e julgado sob os mesmos parâmetros de um homicida comum. Para isso, ele já conta com uma série de prerrogativas, dentre elas, as hipóteses de “estrito cumprimento do dever legal” e de “legítima defesa” como excludentes de ilicitude, além do julgamento pela Justiça Militar. O que se combate, no caso de mortes perpetradas por policiais em ação, é o chamado “excesso punível”: uma pessoa, já rendida, ser alvejada, por exemplo. A medida proposta por Moro amplia para o infinito as hipóteses de “justificativa” do chamado excesso punível e da legítima defesa. Temerário, para dizer o mínimo.
É líquido e certo que a maioria dos mortos em ação policial são jovens, negros, pobres e de periferia. Não raro, este é o perfil sócio-cultural e étnico-racial da maioria das pessoas envolvidas com o tráfico. Mas, nem todo jovem, negro, pobre e de periferia é bandido.
E muitos destes, inocentes, também acabam se tornando vítimas da ação policial nas famosas “batidas” aos morros e favelas, por exemplo.
Alterar os dispositivos legais no sentido proposto ampliará, consideravelmente, as estatísticas de morte destes grupos sociais, o que aponta para uma deplorável política de “higienização social” e não de combate ou de prevenção à criminalidade.
Por fim, há a regulamentação da delação premiada, denominada, no direito americano, de “plea bargain”.
Na prática, significa a regularização da premiação para o caguete, o X9, o traíra.
Também na prática, significa ampliar as hipóteses em que o suspeito ou acusado confesse o crime, mesmo sendo inocente, apenas para não enfrentar os rigores da lei. Ou ainda, que incrimine outrem, mesmo que sem provas, para obter uma pena mais branda.
Ironias e sarcasmos à parte, diria que, na quebrada, se aprende que homem que é homem assume o seu BO. No condomínio fechado onde Deltanzinho e Serginho cresceram, criados com Nutella, quando pegos fazendo traquinagem, para escapar da pisa, gritavam: “Não fui eu, mãe, foi ele”. Plea bargain para incriminar o alheio é refresco…