Foto: Relatório OIG

Por Mauro Utida para Mídia NINJA

Enquanto depositava esperança no judiciário para conseguir entrar nos Estados Unidos, Regina deu à luz ao pequeno Miguel, no dia 14 de junho, no hospital da Ciudad de Juárez, no México, onde está com o esposo Rodrigo e o filho Felipe, de 9 anos. Eles haviam sido encaminhados a um centro de detenção de imigrantes mexicano por tentarem entrar no país norte-americano ilegalmente. Diante do agravamento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que se espalhou pelos alojamentos onde vivem aglomerados os imigrantes, o casal de Governador Valadares-MG só quer voltar ao Brasil e, enquanto isso, aguardam um voo de repatriação do governo brasileiro ou serem deportados. 

Leonardo, a esposa Luciane e a filha Larissa, conseguiram deixar para trás o pesadelo de Juárez e o “sonho norte-americano de vida”. A família de Ipatinga-MG conseguiu retornar ao Brasil através do voo de repatriação do governo brasileiro que saiu do México no dia 27 de junho. Durante pouco mais de 4 meses que estiveram detidos em Juárez, a família relata ter sofrido preconceito, discriminação e até fome. Nos últimos dias, ficaram isolados com suspeita de terem contraído o coronavírus. “Eu desmaiei de fraqueza porque estava há quatro dias sem comer direito e me isolaram em um quarto com minha família porque acharam que eu estava com coronavírus. Fui informado que os exames deram positivo, mas nunca me mostraram o resultado. Ficamos trancados em um quarto com pouca iluminação por cerca de duas semanas sem atendimento médico”, relata Leonardo sobre a situação que passou no albergue Leona Vicário.

O paraense Jean e a filha de 5 anos de idade também conseguiram retornar ao Brasil nesse último voo de repatriação, o terceiro desde o início da pandemia. Pai e filha estavam em Juárez há cerca de um ano. Antes da pandemia, Jean ainda tinha esperança de conseguir entrar nos EUA através de decisão judicial, mas a situação ficou insuportável com o aumento de casos de Covid-19 nos alojamentos e a falta de apoio médico aos imigrantes. Com experiência em território mexicano, Jean alertou a família de Rodrigo e a de Leonardo sobre os perigos da região. “Juárez é uma cidade com muitas gangues rivais e há casos de sequestro de imigrantes, além de marcas de tiro no alojamento. Sofri um sequestro e tive que pagar US$ 1,000.00 para me liberarem. O mesmo grupo ameaçou sequestrar minha filha também. Por causa de toda essa violência consegui sair do albergue e, com ajuda da minha família no Brasil, aluguei um imóvel para morar em segurança com minha filha em Juárez”, diz Jean.

Regina e o filho Felipe foram diagnosticados com suspeita de coronavírus. Após o exame com resultado positivo, foram transferidos para um hotel, no qual permanecem isolados desde o dia 21 de maio. Por causa da quarentena forçada, seus nomes foram retirados do voo de repatriação para o Brasil, no dia 27 de junho. Para piorar a situação, médicos do centro de detenção que levaram Regina ao hospital no dia do parto, informaram que perderam o passaporte dela. Rodrigo denunciou o problema ao Itamaraty e o governo brasileiro informou que irá emitir uma autorização para que Regina possa viajar sem o passaporte.  

“Aqui no México está um inferno. Estamos trancados há mais de 48 dias e recebemos apenas comida fria. Na nossa última refeição comemos feijão apimentado frio, queijo e pão congelado com algumas folhas de alface. Ninguém consegue comer isso. A situação está crítica demais, não temos dinheiro e falta ajuda do governo brasileiro”, denuncia Rodrigo, o brasileiro de Governador Valadares que não conseguiu voltar.

O Itamaraty não se posicionou em relação aos questionamentos da reportagem até o fechamento desta matéria.

POLÍTICA DE MIGRAÇÃO

A situação dos requerentes de refúgio nas fronteiras dos Estados Unidos com o México ficou ainda mais difícil com a nova política de migração do governo de Donald Trump, programa conhecido como Protocolo de Proteção do Imigrante (MPP, na sigla em inglês). Com a pandemia, o governo americano tem aproveitado a situação como pretexto para restringir direitos e ampliar a política de deportação em massa.

A Patrulha de Fronteira norte-americana capturou cerca de 17.900 brasileiros na fronteira sudoeste do México, de outubro de 2018 a dezembro de 2019. Ao pedirem asilo na fronteira, os imigrantes são, automaticamente, enviados ao México e ficam apreendidos em um terceiro país, a fim de esperar o término da tramitação do processo. O número de apreensões na fronteira EUA-México também é uma forma do presidente americano justificar o polêmico muro que separa os dois países, que já consumiu US$ 5,6 bilhões. 

Rodrigo, Regina e os filhos. Eles aguardam o voo de repatriação isolados em un quarto de hotel.

Essa migração ocorre frequentemente de forma indocumentada e arriscada, sendo o corredor migratório entre México e Estados Unidos uma rota cada vez mais mortífera. Em 2019, ocorreram 497 mortes, incluindo crianças, ao tentar fazer a travessia pela fronteira EUA-México. O número é bem superior ao registrado em 2016, que contava 401 mortes.

Não é surpresa o recrudescimento das políticas migratórias de Trump, que se elegeu, com a maioria dos votos americanos ao levantar a bandeira do nacionalismo e pautas contra a entrada de imigrantes no país. Surpresa é o governo brasileiro de Jair Bolsonaro (sem partido) se alinhar ao governo norte-americano no que diz respeito aos brasileiros indocumentados, ou seja, há uma mudança inédita do Brasil em agir contra os interesses e direitos de seus cidadãos no exterior.

Antes da pandemia, foi relatado as condições degradantes pelas quais os brasileiros deportados chegaram no país sem nenhum cuidado sobre possível contaminação pela Covid-19. Bolsonaro demonstra não estar preocupado com a expulsão dos conterrâneos e aproveita a onda para firmar relações com os Estados Unidos. Num discurso em Nova Délhi, na Índia, em janeiro, o presidente brasileiro declarou: “Em qualquer país do mundo onde as pessoas estejam de forma clandestina é um direito daquele chefe de Estado, usando da lei, devolver esses nacionais”.

A justificativa do México para mediar a deportação é “a boa relação diplomática com o Brasil”. Enquanto isso, Rodrigo, a esposa e os filhos, que estão isolados em um quarto de hotel em Juárez – aguardando para retornarem ao Brasil – convivem no limbo em um país onde não queriam estar.