IPCC indica que um futuro viável só existe com a “redução substancial” do uso de combustíveis fósseis (Pixabay)

O mundo está sob alerta com a divulgação do novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC): é agora ou nunca! Este, indica que as emissões globais devem atingir o pico em 2025 e cair pela metade até 2030 para limitar o aquecimento a 1,5° C.

Ou seja, faltam menos de três anos para o mundo reduzir as emissões globais e evitar um aumento “catastrófico” da temperatura. Ao apresentar os resultados, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres foi categórico: “o júri chegou a um veredicto. E é condenatório. Este relatório é uma longa enumeração de promessas climáticas não cumpridas. É um arquivo da vergonha, catalogando as promessas vazias que nos colocam firmemente no caminho para um mundo inabitável”.

A emergência climática com a qual o mundo se depara exige a “redução substancial” do uso de combustíveis fósseis, preservação de florestas, uso de energias renováveis e uso de combustíveis alternativos, como o hidrogênio. O relatório também incentiva a adoção de “dietas saudáveis e sustentáveis”, com destaque para os alimentos à base de plantas e com baixo impacto ambiental. A nova edição se concentra em medidas para reduzir os impactos da crise climática, principalmente para os países do sul global que já enfrentam riscos extremos.

Segundo o IPCC, a temperatura global se estabilizará quando as emissões atingirem zero líquido. Para 1,5°C, isso significa atingir zero líquido globalmente no início da década de 2050. Para 2°C, no início dos anos 2070. A diretora de Clima do WRI Brasil disse ao UOL que o relatório ajuda a reforçar que não há cenário de 1,5°C sem a Amazônia.

“Para o Brasil, desenvolver soluções tecnológicas para retirar CO2 da atmosfera é algo caro e não faria sentido, pois temos as florestas, a melhor alternativa natural e de baixo custo para a captura e armazenamento de carbono”. No Brasil, o desmatamento é a principal causa de emissões de gases de efeito estufa.

Dentre inúmeros alertas, o novo relatório indica que as emissões nocivas de carbono de 2010-2019 foram as mais altas na história da humanidade, com aumentos de emissões registrados  “em todos os principais setores do mundo”.

Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, esta é prova de que o mundo está em um caminho rápido para o desastre, que pode tornar o planeta inabitável.

“Isso não é ficção ou exagero. É o que a ciência nos diz que resultará de nossas atuais políticas energéticas. Estamos no caminho para o aquecimento global de mais que o dobro do limite de 1,5 grau Celsius que foi acordado em Paris em 2015″.

O painel de cientistas realça, no entanto, que é ainda é possível reduzir pela metade as emissões até 2030 e evitar os piores cenários. O relatório detalha medidas e políticas que podem levar a um mundo mais justo e sustentável.

Enchentes devem ser mais frequentes e graves à medida que o planeta aquece (Fernando Frazão/Agência Brasil)

História de terror

Em seus comentários sobre o lançamento do novo relatório do IPCC, o secretário-geral da ONU insistiu que, a menos que os governos de todos os lugares reavaliem suas políticas energéticas, o mundo será inabitável. Em breve, algumas grandes cidades ficarão submersas, afirmou Guterres em uma mensagem de vídeo, que também prevê “ondas de calor sem precedentes, tempestades aterrorizantes, escassez generalizada de água e a extinção de um milhão de espécies de plantas e animais”.

O chefe da ONU acrescentou: “Isso não é ficção ou exagero. É o que a ciência nos diz que resultará de nossas atuais políticas energéticas. Estamos no caminho para o aquecimento global de mais que o dobro do limite de 1,5 grau Celsius que foi acordado em Paris em 2015″.

Questão urbana

Segundo os autores do relatório, uma parcela crescente das emissões pode ser atribuída a vilas e cidades. De forma igualmente preocupante, o relatório sinaliza que as reduções de emissões na última década “foram menores do que os aumentos de emissões, devido ao aumento dos níveis de atividade global na indústria, abastecimento de energia, transportes, agricultura e edifícios”.

De acordo com o novo, as emissões de gases de efeito estufa geradas pela atividade humana aumentaram desde 2010 “em todos os principais setores do mundo”. O documento é fruto do trabalho de centenas de cientistas independentes de todo mundo e foi aprovado por 195 países.

Sugestões para redução de emissões

Os cientistas que elaboraram o relatório sugeriram alternativas para os setores mais crítico, com vistas à redução das emissões até 2030.

Limitar o aquecimento global exigirá grandes transições no setor de energia. Isso envolverá uma redução substancial no uso de combustíveis fósseis, eletrificação generalizada, eficiência energética aprimorada e uso de combustíveis alternativos (como hidrogênio).“Ter as políticas, infraestrutura e tecnologia corretas para permitir mudanças em nossos estilos de vida e comportamento pode resultar em uma redução de 40-70% nas emissões de gases de efeito estufa até 2050. Isso oferece um potencial significativo inexplorado”, disse o co-presidente do Grupo de Trabalho III do IPCC Priyadarshi Shukla. “As evidências também mostram que essas mudanças no estilo de vida podem melhorar nossa saúde e bem-estar.”

As cidades e outras áreas urbanas também oferecem oportunidades significativas de redução de emissões. Isso pode ser alcançado por meio de menor consumo de energia (como a criação de cidades compactas e acessíveis), eletrificação do transporte em combinação com fontes de energia de baixa emissão e maior absorção e armazenamento de carbono usando a natureza. Existem opções para cidades estabelecidas, em rápido crescimento e novas.

“Vemos exemplos de edifícios com energia zero ou carbono zero em quase todos os climas”, disse Jim Skea, copresidente do Grupo de Trabalho III do IPCC. “A ação nesta década é fundamental para capturar o potencial de mitigação dos edifícios.”

A redução de emissões na indústria envolverá o uso de materiais de forma mais eficiente, reutilização e reciclagem de produtos e minimização de resíduos. Para materiais básicos, incluindo aço, materiais de construção e produtos químicos, os processos de produção de gases de efeito estufa de baixo a zero estão em seu estágio piloto para quase comercial.

Este setor é responsável por cerca de um quarto das emissões globais. Alcançar o zero líquido será um desafio e exigirá novos processos de produção, eletricidade de baixa e zero emissões, hidrogênio e, quando necessário, captura e armazenamento de carbono.

A agricultura, silvicultura e outros usos da terra podem proporcionar reduções de emissões em larga escala e também remover e armazenar dióxido de carbono em escala. No entanto, a terra não pode compensar as reduções de emissões atrasadas em outros setores. As opções de resposta podem beneficiar a biodiversidade, nos ajudar a nos adaptar às mudanças climáticas e garantir meios de subsistência, alimentos e água e suprimentos de madeira.

Sinais encorajadores

O painel de cientistas realça, no entanto, que é ainda é possível reduzir pela metade as emissões até 2030 e insta governos a intensificar as ações para reduzir as emissões.

Como exemplo dos avanços, os autores chamam atenção para a redução significativa no custo das fontes de energia renovável desde 2010, em até 85% para energia solar e eólica e baterias.

Incentivando a ação climática

De acordo com o presidente do IPCC, Hoesung Lee, o momento atual representa uma “encruzilhada”. “As decisões que tomamos agora podem garantir um futuro habitável”, disse Lee.

Ele se mostrou encorajado pela ação climática que está sendo tomada em muitos países. “Existem políticas, regulamentos e instrumentos de mercado que estão se mostrando eficazes. Se forem ampliados e aplicados de forma mais ampla e equitativa, podem apoiar reduções profundas de emissões e estimular a inovação”, afirmou.

Para limitar o aquecimento global a cerca de 1,5°C (2,7°F), o relatório do IPCC insiste que as emissões globais de gases de efeito estufa teriam que atingir o pico “antes de 2025, o mais tardar, e ser reduzidas em 43% até 2030”.

O metano também precisaria ser reduzido em cerca de um terço, de acordo com os autores do relatório. Ainda assim, mesmo que isso fosse alcançado, é “quase inevitável” que ultrapassemos temporariamente o limite de temperatura de 1,5 grau Celcius acima do período pré-industrial. No entanto, ainda seria possível retornar a um valor abaixo deste limite até o final do século.

“Agora ou nunca”

“É agora ou nunca, se quisermos limitar o aquecimento global a 1,5°C; sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, será impossível”, disse Jim Skea, copresidente do Grupo de Trabalho III do IPCC, responsável pelo último relatório.

De acordo com o relatório, que reúne as melhores evidências científicas disponíveis, as temperaturas globais se estabilizarão quando as emissões de dióxido de carbono atingirem zero líquido. Para 1,5°C, isso significa atingir emissões líquidas zero de dióxido de carbono globalmente no início da década de 2050; para 2°C, é no início da década de 2070.

“Esta avaliação mostra que limitar o aquecimento a cerca de 2°C ainda exige que as emissões globais de gases de efeito estufa atinjam o pico antes de 2025, o mais tardar, e sejam reduzidas em um quarto até 2030”, ressalta Skea.

Sobre o IPCC

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é o órgão da ONU para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas. Foi estabelecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) em 1988 para fornecer aos líderes políticos avaliações científicas periódicas sobre as mudanças climáticas, suas implicações e riscos, bem como propor estratégias de adaptação e mitigação. No mesmo ano, a Assembleia Geral da ONU endossou a ação da OMM e do PNUMA em estabelecer conjuntamente o IPCC, que atualmente tem 195 Estados-membros.

Milhares de pessoas de todo o mundo contribuem para o trabalho do IPCC. Para os relatórios de avaliação, os especialistas oferecem seu tempo como autores do IPCC para avaliar os milhares de artigos científicos publicados a cada ano para fornecer um resumo abrangente do que se sabe sobre os impulsionadores das mudanças climáticas, seus impactos e riscos futuros e como a adaptação e a mitigação podem reduzir esses riscos.

Sobre o relatório

O último relatório é resultado do trabalho de 278 autores de 65 países, incluindo o Brasil. Eles compõem o Grupo de Trabalho III do IPCC, que se debruça sobre a mitigação das mudanças climáticas, ou seja, medidas que podem tornar menos intensas os efeitos da crise do clima.

O documento faz parte do Sexto Ciclo de Avaliação do IPCC (AR6). As duas primeiras partes deste ciclo foram lançadas em agosto de 2021 e fevereiro de 2022 e tratam, respectivamente, das bases científicas e da adaptação às mudanças climáticas. Um Relatório de Síntese está previsto para ser divulgado no segundo semestre de 2022.

(Com ONU Brasil e imprensa IPCC)