Boi bombeiro foi utilizado com um dos argumentos para pecuária avançar sobre áreas protegidas (Raquel Brunelli Embrapa)

 

Apenas o deputado estadual Lúdio Cabral (PT) votou contra o Projeto de Lei 561, que apensado ao PL 03/22, altera a Lei 8830, que dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso. A primeira votação ocorreu nesta quarta-feira (29). O PL 561 permite pecuária extensiva e empreendimentos de pequeno e médio porte em áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal no Pantanal.

O ritmo ficou ainda mais acelerado porque ao apensar o projeto, deixaram de analisá-lo novamente pelas comissões de Meio Ambiente e Constituição de Constituição, Justiça e Redação. Vicio de tramitação! Isso foi alvo de críticas de ambientalistas e representantes de comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas, inclusive, porque elas não foram consultadas previamente. Eles reclamam também da falta de um debate aprofundado sobre os reais impactos do PL para o Pantanal.

A segunda votação deve ocorrer na próxima sessão deliberativa do plenário, na quarta-feira (06/07). O deputado Carlos Avallone (PSDB), presidente da Comissão de Meio Ambiente – autora do projeto – e um dos mais empenhados em aprovar o PL, ao apontar para a galeria do plenário, onde estavam cerca de 50 produtores rurais, disse que a proposta tinha sido construída em conjunto com o grupo.

Mais cedo, para a TV Assembleia, ao comentar sobre possíveis prejuízos ao bioma o deputado disse que o projeto se trata somente da liberação da pecuária extensiva e turismo no pantanal, “não pode carvoaria, não pode PCH, não pode mineração da terra alagada”.

Mas a consultora jurídica do Observa-MT – organização que monitora a atividade legislativa -, Edilene Amaral, diz que falta esclarecer, por exemplo, “quais são os empreendimentos de pequeno e médio que serão permitidos. O que mais de 50 organizações manifestaram em uma Carta Aberta, é a necessidade de se debater de maneira mais ampla e aprofundada o PL e que comunidades pantaneiras sejam consultadas, em sua totalidade”.

A pedido do deputado Lúdio Cabral (MT), será realizada audiência pública nesta quinta-feira (30). Ao incluir mais gente ao debate, ele espera apresentar emendas ao PL dada a clara posição dos outros 25 deputados.

“A vida no pantanal vai mudar ainda mais com a remoção da vegetação nativa nos planaltos para implementação de lavouras e de pastagens sem considerar a aptidão das terras, e a adoção de práticas de manejo e conservação de solo, além da destruição de habitats. São fatores que aceleraram os processos erosivos nas bordas do Pantanal”, alerta.

Ameaças ao “Pantanal por inteiro”

Do Instituto Gaia, que desenvolve um trabalho de restauração de nascentes no Pantanal, Clóvis Vailant vê com preocupação a proposta.

“A lei que está sendo alterada, traz as restrições apenas à planície alagável, mas o Pantanal é maior que a área alagável. Ele é um combinado de fatores ambientais muito raros e únicos, como todo bioma é, mas ele é mais frágil. A linha de equilíbrio é mais tênue, porque são muitos fatores e qualquer um deles, sendo afetado, pode gerar desequilíbrio. Temos que pensar no Pantanal por inteiro”.

Segundo Clóvis, alterar a lei novamente, com conceitos ainda mais estreitos, focando em áreas permanentemente alagadas, é perigoso. “Pois isso varia de um ano para outro. Qual tempo teríamos de estudo para identifica-las? Ao liberar a pecuária de uma forma irrestrita, os deputados favoráveis ao PL tentam passar a impressão de que o prejudicou a pecuária todos esses anos foi a lei, não é fato”.

Ele também faz críticas à ausência de representação de comunidades tradicionais e indígenas. “E tem ainda essa questão socioeconômica, pois eles insistem em dizer que o pantaneiro precisa retomar o Pantanal e eles chamam o pantaneiro de pecuarista, que é teoricamente são das fazendas. As comunidades tradicionais nunca saíram do pantanal, os pescadores tradicionais continuam aqui em Cáceres, por exemplo”, aponta.

“Perderam seu direito ao rio, perderam o direito a suas comunidades. Mulheres que resistem foram impactadas por hidrelétricas de três quatro formas distintas, então eles negam, há um sistemático apagamento das comunidades pantaneiras”, denuncia. Já os empresários do turismo, segundo o pesquisador, se unem aos pecuaristas pela possibilidade de melhorar o acesso a seus empreendimentos.

Boi Bombeiro

Sobre a teoria do “boi bombeiro”, argumento utilizado para defender a ocupação de áreas protegidas no Pantanal pelo gado, como forma de prevenir incêndios, Clóvis diz que estão usando como argumento que se o boi estivesse lá no Pantanal, quando o bioma foi assolado por uma verdadeira tragédia causada por incêndios, que as queimadas não teriam acontecido ou seriam menos intensas.

“Mas no Mato Grosso do Sul é outra lei. Em Corumbá, onde há os maiores rebanhos, se você olhar os focos de incêndios, foram tão intensos quanto na porção norte. Sendo que lá, inclusive tem mais água. Há ainda uma falta de observação quanto às mudanças climáticas”, aponta o pesquisador.

Edilene concorda e destaca que o desequilíbrio do bioma e a maneira com que será explorado é alvo de preocupação. “As crises hídricas em municípios da Bacia do Alto Paraguai, como em Rondonópolis e Tangará, além da seca que dificultou a navegabilidade no rio Paraguai recentemente, são fortes indícios de alteração climática”, diz Edilene, do Observa-MT.

“E estudos comprovam que o Pantanal tem sofrido os efeitos das mudanças climáticas. Segundo o INMET, de 2019 a 2020, houve uma redução de cerca de 50% no volume de chuvas em todo o bioma. Já segundo levantamento do MapBiomas, o Pantanal já perdeu 68% de sua superfície de água nos últimos 35 anos. O Pantanal está perdendo água e passando por uma seca mais severa hoje em dia do que no passado, alterando a dinâmica de inundação que é responsável pelos processos de regulação da biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Precisamos estar atentos”, aponta a consultora jurídica.

Antes de ocorrer a votação, organizações da Sociedade Civil alertaram os deputados sobre a necessidade de um debate mais ampliado e consulta prévia às comunidades tradicionais e indígenas. Clique aqui para conferir o conteúdo na íntegra.