Ato em frente ao Hospital Municipal Mário Pinotti, o 14 de Março, em abril de 2020. Foto: João Paulo Guimarães

Desde que começou a crise da pandemia da Covid-19, não faltaram denúncias de abandono dos principais prontos-socorros e Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) em Belém (PA). O Hospital Municipal Mário Pinotti, o 14 de Março, foi alvo recente de protestos de profissionais da saúde contra o descaso e a Mídia NINJA teve acesso a denúncias de que já não há mais médicos atendendo neste e em outros hospitais. “Vários médicos pegaram a Covid-19”, disse um enfermeiro. Ao todo, foram mais de 430 pedidos de afastamento de profissionais da saúde por causa da doença, conforme a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma).

Pelo menos 6 unidades do município pararam de atender conforme as denúncias. São enfermeiros que atestam que os médicos foram contaminados pela Covid-19 e outros se demitiram com medo do contágio. Médicos também fizeram denúncias e todos pediram para não serem identificados. Até o final de abril, quando o sistema de saúde entrou em colapso, 8 médicos haviam sido mortos pelo coronavírus, conforme divulgado pelo Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa). 42% dos contaminados de Covid-19 na cidade são profissionais da saúde.

Em mais de 15 anos, o 14 de Março, em Belém, nunca havia fechado as portas. Hoje, já está há mais de duas semanas sem receber novos pacientes. A unidade atende pessoas de todo o estado e é a maior referência da cidade integrada ao SUS. Segundo um agente do hospital, que há mais de 15 anos trabalha no pronto-socorro, “hoje deu entrada um paciente com AVC, apendicite, mas nem entrou. Da porta ele foi informado: não tem médico.”

A informação foi confirmada com colaboradores que acessaram o hospital: ninguém mais entrava, só saía. “Eu nunca presenciei um descaso tão visível e tão patente em anos que trabalho neste hospital, e ele já passou por várias gestões. A situação é terrível e desesperadora”, disse outro agente de saúde que pediu para não ser identificado.

Entre os pacientes que já estão internados, as denúncias são ainda mais graves. “A minha mãe está há 4 dias sem receber visita médica. É um absurdo o que estão fazendo com ela”, disse o filho de uma das internadas, que descobriu no hospital o diagnóstico positivo da mãe, de 64 anos, para Covid-19. Ele ainda denuncia que ela está sem medicação durante o tempo em que aguarda atendimento médico. “Ela tem muitas dores no tórax e só consegue respirar com o balão de oxigênio. Já estavam querendo dar alta pra ela, mas ela não tem condições de sair dali”.

As denúncias não são somente da 14 de Março. Uma das médicas chegou a enviar uma relação de hospitais que estão com atendimento suspenso, entre eles o hospital do Guamá, SAT, DASAC e DAICO. A relação é um censo utilizado para saber para onde podem encaminhar pacientes.

Hospital Municipal Mário Pinotti, o 14 de Março, em abril de 2020. Foto: João Paulo Guimarães

Foto: João Paulo Guimarães

Questionados sobre esse assunto, a Sesma respondeu que todas as unidades de Belém estão em funcionamento. Contudo, ressaltaram também que há uma implicação na “manutenção das portas abertas nos estabelecimentos de saúde de gestão municipal”: a dificuldade de contratar para substituir profissionais que se ausentaram por decisão própria ou por motivo de doença.

“A Sesma já recebeu mais de 430 pedidos de afastamento por causa da Covid-19, o que corresponde a 5% do seu quadro funcional”, afirmou a Secretaria. “Por tal dificuldade, a Sesma tem garantido o atendimento de quem já está dentro das unidades de saúde. Conforme vai liberando o atendimento interno, abre o serviço para novas admissões”. Atualmente, a prefeitura possui 125 leitos de UTI e 1.118 de enfermaria. Todos os leitos de UTIs públicas municipais estão com 100% de ocupação. 95% são de pessoas com suspeita e/ou confirmação de Covid-19.

“A grande questão do pronto-socorro nessa pandemia é que nunca houve suporte, nunca. Sempre foi precário com relação a medicações, funcionários, EPI”, informa uma médica que atua em uma unidade municipal. “É óbvio que sem condições, os profissionais começam a adoecer. E adoecendo, se afastam”.

A prefeitura informou que até a noite desta terça-feira, 5, foram confirmados 2.859 casos de Covid-19 em Belém e 216 óbitos registrados causados pela doença.

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