Uma série de reflexões estratégicas sem horizonte temporal definido para continuar e – muito menos – para acabar
A chegada da pandemia do coronavírus ao Brasil emparedou a agenda golpista do Bolsonaro. As manifestações da extrema direita, em 15 de março, ficaram distantes de mobilizar apoio social para um golpe de estado, embora revelem uma resiliência suicida suficiente para animar Bolsonaro a ignorar a crise de saúde e ir ao encontro dos resilientes na praça.
A chegada da pandemia do coronavírus ao Brasil emparedou a agenda golpista do Bolsonaro. As manifestações da extrema direita, em 15 de março, ficaram distantes de mobilizar apoio social para um golpe de estado, embora revelem uma resiliência suicida suficiente para animar Bolsonaro a ignorar a crise de saúde e ir ao encontro dos resilientes na praça.
É por isso que o Bolsonaro está puto com a epidemia, e não porque ela tenha pegado carona no avião presidencial durante a sua recente visita aos EUA ou porque ameace a vida de milhões de brasileiros.
Na falta de visão dele, a epidemia só pode ser fake news produzida pela China para detonar a economia ocidental. Assim, ele se insurge contra o “exagero” que contaminou até o seu secretário da desinformação, braço forte do auto-golpe dentro do Palácio do Planalto, do qual deveria se afastar por uns tempos.
O problema é que Bolsonaro vinha intensificando a agenda golpista com ataques diários ao Congresso e à mídia, numa escalada contra o tempo, pois a estagnação da economia, desmentindo as falsas expectativas geradas pelo seu governo quando as reformas trabalhista e previdenciária, passou a erodir o apoio popular de que dispunha há um ano atrás.
A natureza contundente da epidemia complicou a sua tática de reunir claques na entrada do Palácio da Alvorada para aplaudir a desqualificação dos seus adversários. Atrapalhou as pretensões mobilizatórias dos empresários e grupos radicais de direita, que visavam dar uma aparência de apoio popular às intenções golpistas. E colocou o seu ministro da economia de joelhos, pois a receita fiscal fascistóide por ele imposta contraria a lógica das medidas de estímulo à recuperação econômica adotadas pelos países já atingidos pela pandemia. A economia retrocederá para a depressão. O que era um desgoverno, se destroçou em vários, com o ministro da saúde vetando encontros públicos e o da justiça ameaçando de prisão os cidadãos que desobedecerem as autoridades sanitárias, enquanto o próprio Bolsonaro espalhava vírus na praça, dizendo que, se estivesse contaminado, o problema seria só dele. Acontece que ele próprio se converteu no maior problema para a população, que dependeria, nesse momento, de uma liderança sã para minimizar danos e vítimas da epidemia.
Como o limite da loucura de um governante é a sua própria derrocada, Bolsonaro é capaz de insistir na agenda golpista, mesmo diante da sua inviabilidade, assim como poderá, alternativamente, aproveitar eventuais brechas nas medidas de força que serão necessárias para enfrentar a epidemia para reciclar a estratégia golpista. Tipo assim: “Meus adversários são mais letais que o coronavírus”.
O Brasil não será o mesmo após essa epidemia. Se o Bolsonaro for devidamente confrontado pela sociedade e pelas instituições democráticas, é provável que o Brasil se livre dele antes do esperado. Mas se prevalecer um bundonismo inveterado a diluir o instinto de sobrevivência do povo, o potencial de devastação do governante doente não deverá ser subestimado pois deixará o maior passivo civilizatório da nossa história republicana, em vários sentidos.
A hora é agora. Bolsonaro sabe e eu também. Seja como for, a epidemia terá o mérito de acirrar a crise que atormenta o país, o que parece ser inevitável para superá-la, em mais ou em menos tempo.