Bolsonaro desgoverna o país com persistência. Não aproveitou o primeiro ano de governo para arrumar a casa e, ao contrário, nomeou gente maluca e despreparada para áreas sensíveis, militarizou funções técnicas, inverteu o sentido civilizatório das políticas sociais, desestruturou instituições públicas, promoveu conflitos dentro do governo, entre os poderes, no seio da federação e com diversos segmentos sociais, personalidades, chefes de estado e organismos internacionais. A economia não saiu do zero, apesar da aprovação pelo Congresso das medidas que o governo propôs para gerar empregos e atrair investimentos.

Bolsonaro não suportou conviver com um ministro da saúde melhor avaliado pela população e o substituiu por outro, que não se dispõe a falar com a imprensa e se confina ao gabinete. Dr. Teich defende a realização massiva de testes, o que é necessário, mas com o objetivo de relaxar o isolamento social, por pressão do presidente, sem definir uma estratégia clara para o controle da epidemia. Ele parece caminhar pela sombra. Está mais para cúmplice que para ministro.

Quando a pandemia do coronavírus chega, encontra um país empobrecido, com milhões de pessoas endividadas, desempregadas, adoentadas ou vivendo em situação de miséria absoluta. O sistema público de saúde, que já vinha de um processo de sucateamento, com muitos problemas de gestão acumulados, está sendo duramente impactado pela multiplicação da demanda por UTIs e outros cuidados especiais. Assim como já era crítica a situação da maioria dos convênios de saúde privados, com a perda de bons médicos, aumento da inadimplência e da judicialização nas relações com os clientes.

O tríplice desencontro entre Brasil, Bolsonaro e coronavírus, engendra uma tragédia de grandes proporções. Enquanto esse texto estava sendo escrito, chegava a três mil o número de mortos pela epidemia, que vem duplicando a cada cinco dias, num ritmo mais rápido do que ocorreu nos Estados Unidos, que estão sofrendo um impacto imenso mesmo dispondo de muitos recursos. Nós tivemos mais tempo para nos precaver, mas não tivemos presidente para isso. O sistema hospitalar já está no limite em várias capitais, antes mesmo do contágio chegar aos bairros mais pobres e às zonas rurais.

Mas ele não é o único cúmplice. Bolsonaro também esvaziou o Guedes e o Moro, da Economia e da Justiça, que vinham comparecendo às coletivas de imprensa para anunciar medidas compatíveis com a suposta política de isolamento. Agora, a política é a do relaxamento, não importando o número de vítimas ou a situação do sistema hospitalar. São todos cúmplices, não há mais ministros.

Fica em situação delicada o general Braga, da Casa Civil, tutor e – a essa altura – fiador do presidente. Sua tarefa não é fácil e deveria caber ao Mourão, que é vice-presidente. Ele está cacifado pelas Forças Armadas, mas o presidente só atrapalha, enquanto patinam os esforços do Braga, que têm crédito junto a outros ministros e aos dirigentes do Congresso, mas que tem sido desmentido com frequência pelo presidente é contestado pelos fundamentalistas infiltrados no Planalto. No limite, Bolsonaro terá que ser substituído para que o país possa voltar a andar. Tudo indica que Braga fica como tutor até o ano virar, para que o Mourão possa substituir Bolsonaro sem ter que convocar eleições. Mas o tumulto promete ser permanente.

Bolsonaro mantém o apoio do quarto mais aloprado da população, mas está perdendo sustentação política enquanto a múltipla crise se aprofunda. O que Braga, Mourão e outros generais precisam avaliar é que, com vários meses pela frente e um presidente cada dia mais alucinado, qual será o impacto da sua cumplicidade sobre a imagem das Forças Armadas. Nesse tempo, teremos que lutar para sobreviver e para construir um novo devir, em que não haja mais espaço para mandantes criminosos, pilhas de cadáveres e equipes de cúmplices.

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