Detentos aguardam algemados por dias em viaturas no RS
Esse é o retrato dos presos em delegacias em Porto Alegre. Policiais militares e civis tensos fazendo a custódia de presos na calçada da Avenida Ipiranga, uma das mais movimentadas da capital gaúcha.
Texto por Carla Castro para Mídia NINJA.
Homens amontoados, sem tomar banho e escovar os dentes. Alguns estão ali há dois meses. Esse é o retrato dos presos em delegacias em Porto Alegre. Policiais militares e civis tensos fazendo a custódia de presos na calçada da Avenida Ipiranga, uma das mais movimentadas da capital gaúcha. É o caos da segurança pública no Rio Grande do Sul. No último sábado, 15 de junho, 41 homens detidos aguardam dentro das viaturas na porta do Palácio da Polícia depois da sala de custódia (vídeo abaixo), ter sido interditada após um motim dos presos no dia anterior.
De acordo com um servidor, que prefere não ser identificado, na última semana cerca de 40 pessoas também estão presas dentro da delegacia do Palácio da Polícia. Junto deles estão os brigadianos (como são chamados os policiais da Brigada Militar no Rio Grande do Sul) fazendo a custódia até que eles ingressem no sistema carcerário.
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“Enquanto eles não passam no balcão estão sob a responsabilidade de quem trouxe”, explica. Ainda de acordo com ele, o local abriga atualmente detentos de diversas facções rivais no mesmo ambiente. “Mais cedo tivemos uma briga entre eles e foi necessária intervenção”.
A crise no sistema carcerário tem chamado a atenção de norte a sul do país. Há algumas semanas uma chacina ocasionou a morte de 55 homens em Manaus. Para Luiz Carlos Valois, juiz titular da Vara de Execução Criminal de Manaus, atualmente licenciado para fazer Pós-doutorado em Hamburgo, o que existe no Brasil não é sistema. “O que temos aqui é um conjunto de ilegalidades. As autoridades administram o caos perante uma gambiarra de seres humanos. Delegacia não é lugar de preso. Posso afirmar com convicção que toda a prisão é ilegal no Brasil”.
Vale lembrar que esse cenário recebeu um novo componente com a publicação de um decreto no Diário Oficial assinado pelo presidente Jair Bolsonaro exonerando 11 peritos do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura (MNPCT). Juristas apontam que o ato é inconstitucional, pois a lei de 2013 que deu origem ao mecanismo prevê uma estrutura. O órgão tem o papel de investigar a violação dos direitos humanos em locais como abrigos de idosos, hospitais psiquiátricos, penitenciárias. Esse desmonte vem sendo aprofundado com a nomeação de Damares Alves, no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Em fevereiro deste ano, integrantes do Mecanismo e do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) afirmaram que a ministra impediu a vistoria em penitenciária do Ceará para avaliar denúncias de maus tratos e tortura no sistema prisional cearense.
Conforme o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS, Roque Reckziegel, a OAB vem se manifestando desde o segundo semestre de 2015 quando aconteceu a primeira reunião com a Chefia de Polícia. “Até então, o Rio Grande do Sul era um dos poucos estados que não tinha presos cumprindo pena ou que ficavam mais de 24 horas em delegacias de polícia. Reckziegel entende que manter uma pessoa nesses locais significa não só uma ofensa aos direitos humanos desta pessoa que está presa, mas um grave problema a toda a população. Em primeiro lugar aos funcionários que não estão preparados para fazerem papel de agentes penitenciários; segundo às pessoas que recorrem a uma delegacia para registrar ocorrências, pois o local se torna um tanto quanto inseguro.
Procurada, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) afirmou que a questão está em tratativa entre a Secretaria da Administração Penitenciária (Seapen), o Ministério Público e o Judiciário. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos se pronunciou através de nota, afirmando que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) permanece ativo, sem quaisquer prejuízos ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O MNPCT permanece como órgão integrante da estrutura do MMFDH, sendo responsável pela prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes e o apoio técnico, financeiro e administrativo, necessário ao funcionamento.
DADOS:
O Rio Grande do Sul tem um população prisional que supera 41 mil pessoas, sendo cerca de 39 mil homens e 2 mil mulheres conforme o Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe. Quando se fala em faixa etária, 23% dos detentos têm entre 18 e 24 anos, enquanto das detentas é de 35 a 45 anos. A escolaridade dos presos gaúchos é em sua maior de ensino fundamental incompleto, fato que explica as profissões mais declaradas, entre os homens mais de 4 mil se declaram serventes, já entre as mulheres a maioria trabalhou com serviços domésticos. Ainda conforme a Superintendência, o índice de retorno ao sistema prisional é de 71,9% entre os homens e 62% entre as mulheres.