Após oito anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma a discussão sobre a descriminalização do porte de drogas. Um levantamento realizado pela Agência Pública, em 2017, demonstrou o que já sabemos: pessoas negras são mais condenadas por porte de drogas com menor quantidade, em comparação a pessoas brancas, na cidade de São Paulo. Das 4 mil sentenças de tráfico em 2017, a maioria das apreensões é por quantidade inferior a 100 gramas e 84% dos processos com até 10 gramas tiveram testemunho exclusivo de policiais.

A guerra às drogas não funciona

A repressão e as mortes oriundas da guerra às drogas atingem um grupo específico. De acordo com o Atlas da Violência (2021), a cada 100 pessoas mortas, 71 são negras, sendo os homens jovens as principais vítimas, contabilizando mais de 50% dos casos. A morte incessante da juventude negra é uma das faces mais cruéis do racismo. A guerra às drogas é um mecanismo de manutenção da hierarquia racial da qual a sociedade depende e está fundamentada no paradigma proibicionista e moralista.

Confunde-se furadeira com pistola, guarda-chuva com metralhadora, matam crianças a caminho da escola e pessoas dentro de suas próprias casas. Tudo legitimado pela tentativa de livrar a sociedade das drogas. A repressão e a violência chegam hoje onde as políticas de saúde, educação, lazer, saneamento básico, moradia digna, mobilidade urbana, emprego e renda nunca chegaram.

As mulheres, responsáveis pelo cuidado da maioria dos lares brasileiros, são diretamente atingidas pela política do genocídio. São elas que sofrem a perda de seus filhos e maridos e que lutam por justiça. Assim, na vida das mulheres, o mecanismo de guerra às drogas gera violências cotidianas, sobretudo com um aparato policial que é o maior violador dos seus corpos e de seus filhos e companheiros.

Além disso, a criminalização do porte de drogas só fortalece a lógica do encarceramento em massa da juventude negra, periférica e das mulheres.

A legalização das drogas é uma política feminista

A política de criminalização das drogas é uma questão de gênero porque atinge o corpo feminino, negro, pobre e periférico. O Brasil é o terceiro país que mais encarcera mulheres no mundo. Desde 2000, o número de mulheres encarceiradas aumentou em quatro vezes. O tráfico de drogas continua sendo a principal causa das detenções.

Segundo dados levantados pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), a maioria das presas brasileiras possui baixa escolaridade, vive em condições de pobreza e é responsável pelos cuidados de filhos, filhas, jovens, pessoas idosas ou com deficiência. Estas mulheres se envolvem com o tráfico de drogas como uma forma de geração de renda para sustento de suas famílias. Na rede do tráfico, ocupam cargos de menor escalão e pior remuneração. A opção por parte do Estado brasileiro de criminalizar justamente aquelas que estão no baixo escalão do tráfico de drogas é marcada por uma discriminação de gênero.

Destaca-se, ainda, que muitas mulheres assumem crimes que não cometeram para proteger seus filhos, maridos e parentes. Nas prisões brasileiras, 45% aguardam para serem julgadas, apesar de já estarem privadas de liberdade. Presas, as mulheres sofrem com as péssimas condições nos presídios de lotação e falta de estruturas, como berçário, creche e celas específicas para gestantes. Do lado de fora, as famílias, sobretudo os filhos e filhas, ficam desestruturadas, já que são as mães que garantem os cuidados e o sustento dos lares.

Lutar contra a proibição das drogas significa lutar a favor da vida de pessoas negras, sobretudo as mulheres. Um debate racializado e feminista é o que vai conduzir a postura das intervenções, já que os mais afetados são menos escutados. A descriminalização da maconha pelo STF é um passo importante na luta pela legalização.

#DESCRIMINALIZASTF

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