As ruas transformadas em rios, o barro retirado de vasilhas enlameadas, pais e filhos nos telhados à espera de resgate, cavalo no telhado cercado de água por todos os lados, avião em meio ao mar que virou a pista do aeroporto. As imagens das cidades do Rio Grande do Sul nos colocam diante de dramas de milhares de pessoas que tiveram que abandonar as casas, deixar para trás um modo de vida, verem memórias levadas pelas enchentes.

São cenas que nos falam à alma, pois mostram o nível máximo de desalento que uma pessoa pode chegar, ao ficar sem teto, só com a roupa do corpo, sem alimento, sem água e, em alguns casos, tendo que se despedir de entes queridos mortos na tragédia.

Os números não dão a dimensão dessa tragédia: 2,1 milhões de pessoas foram afetadas de alguma forma pelas enchentes em 446 municípios gaúchos; 149 pessoas morreram, 108 pessoas estão desaparecidas, 806 ficaram feridas, 538.245 pessoas estão desalojadas, sendo que 76.580 estão em abrigos.

Estamos diante de eventos climáticos extremos, cenas que antes assistimos em filmes como o “Dia depois do amanhã”, “Apocalipse”, “2012”. Em 2023, o Brasil registrou 12 eventos climáticos extremos, cinco ondas de calor, uma onda de frio, uma inundação, três chuvas acima da média, uma seca e um ciclone extratropical. O que vimos em Porto Alegre é algo sem precedentes.

Um meme viral na internet diz que todo o filme de apocalipse começa com um cientista sendo ignorado. As imagens virais costumam captar, de maneira sintética, a compreensão geral sobre algum fenômeno e, nesse caso em tela, de como especialistas podem ser desconsiderados numa lógica capitalista, em que prevalece a busca pelo lucro em detrimento aos interesses coletivos de uma sociedade.

O negacionismo é confirmado pela pesquisa Confiança na Ciência no Brasil em tempos de pandemia, realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e da Tecnologia (INCT-CPCT) em 2022. Dos 2.069 entrevistados, 27% das pessoas que negam a existência das mudanças climáticas também se recusam a vacinar seus filhos – uma proporção muito maior do que a média geral (8%). O resultado é um indício preocupante de que as campanhas de desinformação criaram terreno fértil para as teorias da conspiração em geral.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão criado para monitorar as mudanças climáticas no planeta, começou a monitorar o clima da Terra, em 1990, quando divulgou o primeiro relatório a mensurar os danos das mudanças climáticas no planeta. As causas conjugam fatores naturais, como por exemplo, os fenômenos El Niño e La Niña, como fatores antrópicos, ou seja, que derivam de ações do homem no planeta.

No conjunto antrópico, estão a queima de combustíveis fósseis na atmosfera que aumentam os gases de efeito estufa; a emissão de gases poluentes de indústrias e automóveis; a poluição do solo e o aumento do desmatamento. O alerta da ação danosa tem sido feito por cientistas aos países há 34 anos, no entanto, como o meme ressalta, têm sido ignorados principalmente por quem não quer reduzir os ganhos, os dividendos.

Os negacionistas desacreditam os cientistas, pois não querem entender que o aquecimento do planeta pode gerar calor ou frio extremos. As mudanças climáticas, que habituamos ver em efeitos visuais de Hollywood, já são vividas por milhares de pessoas, como os nossos compatriotas no Rio Grande do Sul ou no Amazonas, Estado que enfrentou, em 2023, uma das piores secas da história. Embora em lados extremos do país, um evento no Sul e outro, no Norte, ambos têm uma origem comum, o aquecimento global.

Além das cenas de destruição saírem das telonas do cinema para a vida real, essa crise é agravada por ações concretas que passam pela flexibilização de leis ambientais. Mesmo diante de tragédias, como o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, muitos legisladores cedem ao lobby e aprovam leis que flexibilizam atividades econômicas que resultam no desmatamento, na exploração de nossas serras, na poluição dos rios e mares.

O ministro do meio ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, sem saber que estava sendo gravado, deixou muito evidenciada, em reunião ministerial de 22 de abril de 2020, essa estratégia de flexibilização das leis. Salles disse aos colegas ministros que a pandemia da Covid-19, quando as pessoas estavam com atenção voltada para o enfrentamento da doença, era uma oportunidade de mudar as regras de proteção ambiental e na área de agricultura.

O ministro resumiu seu pensamento como uma forma de “passar a boiada”, mudando as regras enquanto a população e a mídia estavam voltadas para o enfrentamento da pandemia. “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos, neste momento de tranquilidade, no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.”

A crise climática não é um problema a ser enfrentado no futuro. Infelizmente, já é uma realidade com que temos que lidar. Daqui para frente outras cidades poderão enfrentar eventos climáticos extremos como o que enfrentam os municípios gaúchos. No caso de Minas Gerais, a nossa preocupação é redobrada, por sermos um Estado com a presença da mineração e das barragens que tanta apreensão trazem aos mineiros. Precisamos estar atentos às leis que tramitam nos parlamentos. Não podemos deixar que os interesses econômicos corroam o nosso planeta, já tão combalido pela exploração humana.  Cuidar da Terra é inadiável.