É dever do Estado garantir o exercício da atividade parlamentar sem risco à vida. Não queremos ser mortas pela mesma violência que nos tirou Marielle Franco

Marielle Franco. Foto: Bárbara Dias

Quando fui eleita sabia que não seria fácil. O fato de ser quem eu sou, vir de onde eu vim, e ser uma das poucas parlamentares negras da Assembleia de Minas – não só hoje, como em toda história da casa –, já me alertava para mais uma batalha na minha vida. Uma batalha que escolhi e continuo escolhendo todos os dias com gosto.

Mas as dificuldades não deveriam incluir ameaça à vida, injúria racial, misoginia. Não deveria ser necessário gastar tempo da minha atuação parlamentar para garantir a minha própria segurança, que é ameaçada apenas por realizar a atividade para a qual fui eleita.

Ao longo da nossa mandata, fui vítima de muitos ataques (no próprio plenário e nas redes sociais – neste caso, incluindo ameaça de morte e mais de 3.500 ataques em apenas um dia) enquanto exercia meu papel como mulher negra eleita.

A partir do grave episódio de ameaça contra minha vida, passei a circular com escolta armada – fundamental para garantir minha segurança e a continuidade da minha atividade parlamentar – e precisei alterar não só a minha rotina diária como a de meus familiares.

Os ataques cresceram depois que assumi a CDH, a mesma comissão que Marielle Franco presidiu. Não é coincidência. E por isso quem preside as comissões de Direitos Humanos nas casas legislativas no Brasil deveriam ter SEMPRE escolta garantida.

Assim como não é coincidência que a violência política tenha aumentado exatamente com a presença de mais mulheres nos espaços de poder. Violência, essa, que é ainda mais contundente contra mulheres negras.

Não receio em afirmar que o Psol é o partido que mais sofre ameaça no Brasil. Exatamente o partido que mais defende pautas relacionadas aos direitos humanos e que trouxe mais mulheres negras, mulheres trans, LGBTQI+ e homens negros para a frente das candidaturas.

Mas o preço tem sido muito alto. Além de mim, Adriana Gerônimo, Benny Briolly, Carolina Iara, Erika Hilton, Isa Penna, Iza Lourença, Laís Camisolão, Louise Santana, Karen Santos, Mariana Conti, Matheus Gomes, Renata Souza, Samara Sosthenes e Talíria Petrone já sofreram ameaças graves.

Na segunda-feira, vai fazer quatro anos que Marielle Franco foi assassinada. Uma dor e uma lembrança que o risco é real. O símbolo máximo de como nós, mulheres negras ocupando os espaços de poder, incomodamos. O legado de Marielle segue vivo e é inspiração para a incansável defesa dos direitos humanos. Eu não deixarei de representar o que fui eleita para ser: uma mulher negra na construção de uma política democrática e popular, que reflita a diversidade e a luta cotidiana do nosso povo.

Exatamente nesta semana, que nos juntamos para em alto e bom som, mais uma vez, perguntarmos: quem mandou matar Marielle? Eu, que sou parlamentar do mesmo partido e presido a mesma comissão que Marielle presidia, sofri ameaça à vida, e os que me ameaçaram ainda não foram julgados ou sequer localizados. E me vejo extremamente insegura porque fui informada da retirada da minha escolta, que hoje é o que garante a manutenção da minha atividade parlamentar com segurança, na semana seguinte àquela em que fui novamente vítima de violência política.

O nome da nossa eterna companheira inclusive foi utilizado como elemento em uma das ameaças contra a minha vida. Dizia o criminoso que eu teria “o mesmo fim de Marielle”.

Não se pode pedir mais mulheres negras na política e depois virar as costas. Não queremos esse lugar de fortaleza. Precisamos de apoio político, institucional e, mais ainda, é necessário que o ESTADO garanta nossas atividades parlamentares com segurança. A escolta é FUNDAMENTAL e agora estou me vendo na insegurança de não ter mais essa proteção.

Não queremos ser mortas! Queremos segurança para que, como sementes de Marielle, possamos florescer, levando adiante a luta por uma democracia real e um mundo mais justo!

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