A epidemia se espalha pelo Alto Rio Negro
Não adiantou avisar, não adiantou prevenir. O coronavírus subiu o Rio Negro e chegou (provavelmente atravessou) à fronteira com a Colômbia. Barcelos, Santa Isabel e São Gabriel da Cachoeira – onde inexistem UTIs – somam 500 casos confirmados de covid-19 e a morte se espalha pela região.
Não adiantou avisar, não adiantou prevenir. O coronavírus subiu o Rio Negro e chegou (provavelmente atravessou) à fronteira com a Colômbia. Barcelos, Santa Isabel e São Gabriel da Cachoeira – onde inexistem UTIs – somam 500 casos confirmados de covid-19 e a morte se espalha pela região. A doença já está presente em comunidades indígenas dos rios Tiquié, Uaupés, Içana, afluentes do Rio Negro.
A situação está particularmente grave em São Gabriel da Cachoeira, último município do Brasil antes da fronteira e, por esse motivo, há uma divisão do Exército baseada lá. Lá vivem 45 mil habitantes, cerca de metade da população mora na cidade e a outra parte em 750 sítios e comunidades espalhados pela extensa região de fronteira trinacional, também chamada “Cabeça do Cachorro”, por conta do desenho que faz o mapa do noroeste do Brasil.
São Gabriel tem 90% da população indígena, de 23 diferentes povos. O único hospital da cidade tem seis respiradores. Todos estão ocupados por pacientes que não conseguem respirar sozinhos. O problema se agrava porque a usina de oxigênio do hospital está quebrada. Cilindros de oxigênio chegaram depois de uma mobilização a partir do Comitê de crise do município, que também mobilizou as forças armadas e a imprensa. O oxigênio que chegou deve durar apenas alguns dias até que outros cilindros cheguem de Manaus, numa logística cara e arriscada.
O boletim divulgado ontem à noite pelo Comitê de Crise, que reúne as principais instituições que atuam na cidade, apontava 343 casos confirmados e 473 outros sendo monitoradas. Já faleceram 12 pessoas e há outras 16 internadas, cinco das quais foram transferidas para Manaus, única cidade do estado em que há UTIs, mas cuja situação hospitalar está caótica. 26 doentes foram recuperados.
Como essa coluna previu, o pagamento do auxílio emergencial de R$600 pela Caixa Econômica Federal está produzindo filas gigantescas, o que contribui para disseminar o vírus pela cidade e para as aldeias do município. Carros de som, mobilizadores sociais e comunicadores indígenas fazem grandes esforços para conscientizar a população dos riscos da aglomeração e máscaras de pano são distribuídas.
Os funcionários locais da CEF entendem e também são vítimas da situação de alto risco, mas não conseguem apoio dos seus dirigentes para estruturar o pagamento de forma descentraliza, mesmo já havendo uma decisão liminar da Justiça Federal de Manaus determinando isso. Aliás, comenta-se em Brasília que o seu presidente, Pedro Guimarães, um bolsonarista radical contrário às medidas de isolamento social, está muito mais empenhado em desgastar e substituir o ministro da Economia, Paulo Guedes, do que com cuidados sanitários no pagamento do auxílio emergencial.
O secretário especial de saúde indígena do Ministério da Saúde, Robson Santos da Silva, esteve em São Gabriel nesse fim de semana, reuniu-se longamente com o Comitê de Crise e tomou conhecimento da gravidade da situação. Comprometeu-se a mobilizar apoios adicionais para o DSEI – Distrito Sanitário Especial Indígena – que atende a população local, apesar do Ministério estar acéfalo após a demissão de outro ministro pelo presidente Bolsonaro, mesmo durante a crise. Todos esperam que a boa vontade do secretário possa superar o descaso do governo pelas vítimas da epidemia.
As organizações que compõem o Comitê de Crise trabalham dia e noite para esclarecer a população, arrecadar e distribuir mantimentos e sensibilizar parceiros no Brasil e no exterior para doarem equipamentos e apoiarem ações locais. Os Expedicionários da Saúde, que reúne profissionais de saúde voluntários de Campinas (SP), estão mobilizando recursos humanos e financeiros para instalar enfermarias de campanha em pontos estratégicos da região. Para quem puder e quiser apoiar esta e outras iniciativas de cooperação em curso, o caminho é por aqui: http://eds.org.br/
Chamo também a atenção para a campanha “Rio Negro: Nós Cuidamos”, desenvolvida pelas mulheres indígenas de São Gabriel, que também inclui diversas atividades de apoio emergencial para as comunidades indígenas urbanas e rurais. Para quem se dispuser, segue o link com informações mais detalhadas sobre a campanha e as formas pelas quais as pessoas.