É proibido ser criança no Brasil – Um desejo nefasto de uma bancada do Congresso
Não podemos falar sobre educação sexual com crianças, mas não vemos problemas em fazê-las lidar com uma gestação fruto de estupro.
Fosse assim tão simples. Mas não pode ser criança no Brasil. Não pode dar informação pra criança continuar sendo criança.
Pode educar as crianças no Brasil para muitas coisas. Educação sexual não pode. Não pode explicar sobre o método contraceptivo, não pode falar o que acontece quando faz sexo, o que é ejaculação, os riscos que corre – porque não é só gravidez, tem IST também -, não pode ser explícito como é, porque dizem que tá ensinando como fazer. E não pode ensinar.
Muitas meninas são estupradas por pessoas de confiança. Eles dizem que elas não podem contar pra ninguém, ameaçam. Elas sentem culpa. Elas não entendem sobre consentimento, não entendem que aquilo que está acontecendo pode dar errado, porque não pode ser orientada.
Uma menina de 10 anos foi estuprada pelo tio. Ficou grávida. Tinha direito ao aborto, que quase lhe foi impedido. Precisou sair do estado de origem para conseguir, sob protestos de fundamentalistas religiosos. Precisou entrar no Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência (Provita) porque seu nome e endereço foram revelados, e as pessoas que não queriam que ela abortasse, a atacaram. A vida dela não vale muito, ao que parece. Só a de um feto fruto de um estupro.
Uma menina de 10 anos. Engravida. E não consegue nem entender que tá grávida. Não tem regularidade de ciclo menstrual, não entende os sintomas que sente. É uma criança, um enjoo pode ser qualquer coisa. Vai perceber a barriga grande. Quando for tarde demais. E se entende os sintomas, tem medo de contar, porque né, vai levar a culpa por ter deixado acontecer. Esconde até não poder mais esconder. Se entende, até conseguir acessar um serviço de aborto, demora.
Ai tá com 15, 20, 22 semanas. Ai não pode abortar porque é crime.
O projeto de lei 1904 de 2024 quer transformar um direito, que já existe, e que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde, em crime. Interromper uma gestação tardia é uma realidade. O Código Penal autoriza a interrupção da gravidez em caso de violência sexual sem qualquer restrição quanto ao tempo de gestação e sem necessidade de autorização judicial. Abortos são garantidos em casos de estupro, de risco de morte materna e de anencefalia. Uma menina de 10 anos grávida corre mais riscos levando adiante uma gestação que passando por um procedimento de aborto.
E até aqui eu só falei de uma. Mas no Brasil, 12,5 mil meninas entre 8 e 14 anos tiveram filhos. Não vou dizer foram mães porque não são. Criança não é mãe. Elas tiveram filhos. Esses dados são do Governo Federal. 8 anos. Uma criança de 8 anos teve um filho. E agora, o que querem é que ela não possa abortar. Porque se ela abortar, ela comete um crime.
Mas o problema é explicar pra ela, lá no começo, o que pode acontecer quando faz sexo. Ter filho pode. Ser estuprada pode. Ser abusada pode. Pai, tio, avô, padrasto, vizinho, amigo da família abusar, pode. Não pode é aprender a impedir. Não pode reclamar. Não pode é resolver no âmbito da saúde e dos direitos se acontece o crime. Porque estupro é crime.
Ai, mas se veio o filho é porque Deus mandou. Deus mandou mesmo um homem que sabe o que está fazendo abusar de uma menor de idade que não sabe o que tá acontecendo? Esse é o argumento pra sustentar uma gestação? Esse é o argumento pra transformar em crime um direito?
Ai, mas é só dar pra adoção. É sério? Ninguém vai julgar, condenar, execrar essa pessoa? Ninguém lembra que uma atriz tentou manter sua gestação fruto de um estupro em segredo e colocar a criança para adoção e precisou vir a público contar algo totalmente íntimo porque foi exposta e achincalhada?
Fosse assim tão simples.