Há anos, Wagner Moura é um dos atores-símbolos da cultura brasileira. Mas agora talvez ele esteja vivendo um dos momentos mais intensos e significativos de sua carreira. Entre o retorno ao teatro, com uma peça que parte do clássico texto do norueguês Henrik Ibsen, Um Inimigo do Povo — que estreia em Salvador —, e o reconhecimento internacional por O Agente Secreto, o ator mantém seu lugar de fala, no qual mistura arte e responsabilidade política.
Em entrevista recente, falamos sobre teatro, cinema e a arte como ferramenta social, como instrumento de identidade.
“Não há mais espaço pro teatro decorativo: quero algo que cutuque, que incomode.”
Foto: Cine Ninja
A fala era sobre seu novo espetáculo, mas, de certa forma, Wagner estava descrevendo também sua própria trajetória. Depois de anos dedicados ao cinema internacional, ele retorna ao Brasil com a energia de quem quer reabrir feridas e questionar o conforto — inclusive o seu próprio.
Essa ideia atravessa toda a sua fala e se estende ao cinema, em que Moura reencontra o país através de O Agente Secreto, novo filme de Kleber Mendonça Filho.
Ambientado no Recife de 1977, sob a sombra da ditadura militar, o longa mistura espionagem, identidade e memória. Moura interpreta Marcelo, um homem que carrega segredos e dilemas éticos. O filme, que já nasceu com status de acontecimento, estreou em Cannes e consagrou o ator com o prêmio de Melhor Interpretação Masculina. Desde então, O Agente Secreto tem sido apontado como forte candidato ao Oscar de Melhor Filme Internacional.
Mais do que um reencontro artístico com a produção nacional, o filme marca um reencontro político e afetivo. Moura enxerga a obra como um gesto de resistência simbólica, uma tentativa de revisitar a história recente do país sem medo das repetições. Em sua fala, há uma delicadeza que contrasta com o peso dos temas que aborda — o que faz pensar se talvez esse não seja, de fato, o tal “molho” do ator: o de se mostrar à vontade para assumir e defender o papel da arte num país que vem retomando sua autonomia democrática após períodos assombrosos.
Wagner defende que o cinema e o teatro não podem se render à apatia — e que o engajamento não precisa vir travestido de panfleto. “Não quero ser um ator que conforta”, disse. “Quero que a arte provoque o tipo de desconforto que faz pensar.”
Quando olhamos para sua filmografia, fica fácil notar a coerência de sua fala. De Tropa de Elite a Marighella, de Narcos a O Agente Secreto, Wagner Moura tem construído personagens que vivem entre o poder e a culpa, a ética e a sobrevivência. São figuras feridas, mas ativas, humanas — atravessadas por reflexos de um país que oscila entre o medo, a coragem e a resiliência.
E agora, com o retorno aos palcos, o ator se coloca novamente diante do público sem filtros. Um Inimigo do Povo é um texto sobre a solidão de quem ousa dizer a verdade contra o consenso. Moura parte do clássico para discutir o contemporâneo: o embate entre o indivíduo e a massa, entre o poder e a consciência.
A fase que ele vive é, ao mesmo tempo, de amadurecimento e reinvenção. O ator está menos interessado em aplausos e mais disposto a arriscar no desconforto. O Agente Secreto e sua peça em Salvador são faces do mesmo gesto: o de um artista que decide olhar o país de frente, com coragem, contradição e esperança.
Talvez seja por isso que acompanhar Wagner Moura seja tão fascinante. Ele não está apenas voltando — está se refazendo. E, nesse refazer, dá ao público algo cada vez mais raro: a sensação de que ainda é possível fazer arte com convicção, com corpo e com verdade.
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