“A tua piscina tá cheia de ratos. Tuas ideias não correspondem aos fatos. O tempo não para” – Cazuza

O Brasil se tornou referência de combate ao HIV/Aids no mundo, em relação à prevenção e tratamento. São 40 anos de luta contra a epidemia da Aids no país. O primeiro caso registrado foi em 1980, em São Paulo, mas só confirmado em 1983. Na época só havia o teste do Generaverso para diagnóstico do HIV. Finalmente, em 1986, foi criado o Programa Nacional de DST e AIDS do Ministério da Saúde.

Em 1987, a Organização das Nações Unidas estabeleceu o 1º de dezembro como o Dia Mundial de Luta contra a AIDS. O Brasil foi o primeiro país da América Latina a isolar o HIV-1. Tal feito foi obra dos pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.

Em mais um marco histórico no país, em 1991, o Ministério da Saúde deu início à distribuição gratuita de antirretrovirais pela rede pública. Nesse mesmo ano, a Fiocruz foi convidada pela Organização Mundial da Saúde para participar da Rede Internacional de Laboratórios para Isolamento e Caracterização do HIV-1.

Assim, no início de 1993, aconteceu, na cidade do Rio de Janeiro, o I Encontro Nacional de Travestis e Liberados que Atuam na Prevenção da Aids – ENTLAIDS, organizado pelo grupo ASTRAL.

Uma das políticas públicas mais importantes e de referência do mundo foi fortalecida nos anos 2000. O Departamento de ISTs, Aids e Hepatites Virais virou referência mundial no tratamento e atenção à AIDS e outras infecções sexualmente transmissíveis.

Em 2019, o presidente Bolsonaro, a partir do Decreto nº 9795, muda tudo. O Departamento de IST, Aids e Hepatites virais passa a integrar outros agravos tais como, Tuberculose e Hanseníase. O Decreto, que modifica a estrutura do Ministério da Saúde, estabeleceu que o nome do departamento, criado em 1986 e colecionador de prêmios, passasse a se chamar “Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis”.

A mudança não se trata apenas da modificação na nomenclatura do órgão, mas sim uma política higienista e conservadora do governo Bolsonaro, e também da extinção do Programa Brasileiro de AIDS, que é conhecido internacionalmente como um dos mais importantes do mundo.

Os ataques às pessoas vivendo com HIV/Aids vindas do governo Bolsonaro não pararam por aí. Em fevereiro de 2020, o presidente diz que pessoas com HIV são despesas para o país, embora, segundo dados do Portal da Transparência, em 2019, o governo tenha gastado R$1,8 milhões na compra de remédios para pacientes com HIV, apenas 0,06% de todos os gastos públicos do ano.

Em outubro deste ano, Bolsonaro voltou a estigmatizar pessoas com AIDS. Disse em live que a vacina contra a Covid-19 transmitiria o vírus HIV/Aids. O vídeo foi removido das redes sociais. Além da desinformação, o presidente propagou preconceito e estigma e provocou medo e aversão à vacina e às pessoas com HIV/AIDS.

Já são quatro décadas de luta contra o HIV/AIDS no Brasil e de avanço das tecnologias de prevenção e tratamento, mas o  estigma e o preconceito ainda fazem parte da vida das pessoas portadoras do vírus.  Os avanços trouxeram benefícios significativos para a qualidade de vida dessas pessoas. Hoje o tratamento pode tornar o vírus indetectável e  intransmissível, com carga viral insuficiente para infectar outras outras pessoas por via sexual.

Um estudo da UNAIDS, (Programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS), com 1.784 pessoas infectadas, trouxe o índice de estigma em relação as PVHIV-Brasil: 64,1% já sofreram alguma forma de estigma ou discriminação pelo fato de viverem com HIV ou com Aids; 46,3% foram alvo de comentários discriminatórios ou especulativos; 41% revelaram ter sido afetados por comentários feitos por membros da própria família; 25,3% já passaram por outras situações de discriminações, incluindo assédio verbal; 19,6% perderam fonte de renda ou emprego e 6% foram vítimas de agressões físicas¹.

Estima-se que cerca de 920 mil pessoas vivem com HIV no Brasil: 89% delas foram diagnosticadas; 77% fazem tratamento com antirretroviral e 94% das pessoas em tratamento não transmitem o HIV por via sexual, por terem atingido carga viral indetectável. Até outubro deste ano, cerca de 642 mil pessoas estavam em tratamento com antirretroviral, enquanto, em 2018, eram 593.594 pessoas em tratamento.

A baixa adesão à testagem e ao tratamento estão atrelados aos estigmas e preconceitos sobre as pessoas que vivem com HIV/Aids. A AIDS trouxe e continua trazendo dois dos maiores tabus da nossa sociedade: o sexo e a morte. A pessoa com HIV e AIDS ainda esbarra no estigma social, preconceito e criminalização. O estigma leva ao silenciamento e ao isolamento, que, por sua vez, são fatores importantes de adoecimento e morte.

Assim como todo e qualquer cidadão brasileiro, as pessoas com HIV têm obrigações e direitos garantidos pela Constituição, entre os quais a dignidade humana e o acesso à saúde pública. Por isso, são amparadas pela lei. O Brasil possui legislação específica para proteger os grupos mais vulneráveis do preconceito e da discriminação, como pessoas LGBTs, mulheres, população negra, crianças, idosos, portadores de doenças crônicas e de deficiência.

No Estado do Rio de Janeiro, segundo o Boletim Epidemiológico da Gerência de AIDS do Estado do Rio de Janeiro, 16.532 casos de HIV ocorreram no período de 2018 a 2021. A região que apresenta o maior percentual de casos de infecção pelo HIV é a Metropolitana I (68%), seguida da Metropolitana II (14%), Médio Paraíba (5%), Serrana (4%), Norte (3%) e Baixada Litorânea (3%),  Noroeste, Centro-Sul e Baía da Ilha Grande (com 1%).

Na nossa juventude, na faixa etária de 15 a 29 anos, houve notificação, entre 2018 a 2020, de 5.266 casos de HIV entre os sexos masculinos e femininos. Dos casos notificados 1.393 são do sexo feminino e 3.872 do sexo masculino.

No mesmo período, nos dados sobre os casos de HIV por raça/cor, podemos notar que a população negra é a com maior índice de infecção no Estado do Rio de Janeiro, com 6.819 casos. Houve registro de 3.258 casos de HIV em pessoas brancas e 18 na população indígena.

Por isso, nossa Mandata, cuja bandeira principal é a defesa dos Direitos Humanos, afirma o compromisso de fortalecer as lutas populares pela garantia da vida, do bem estar, da promoção à saúde, da prevenção, do diagnóstico e do tratamento como direito humano das pessoas com HIV/AIDS. Nosso papel têm sido o de promover o debate público sobre o tema, de ouvir os movimentos e de construir junto deles propostas de políticas públicas que garantam a vida e a dignidade dessas pessoas. Estivemos à frente de várias iniciativas legislativas. Na última terça-feira, 14 de dezembro, lançamos a Frente Parlamentar de Combate ao HIV/AIDS, o Preconceito e o Estigma na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Construída coletivamente em parceria com o movimento de luta contra a AIDS do Estado do Rio de Janeiro, o Pela Vidda e o Fórum ONG/AIDS do Estado do Rio de Janeiro.

A criação dessa frente visa o combate ao HIV/AIDS, ao preconceito e ao estigma que leva as pessoas com HIV/AIDS ao adoecimento mental  precoce. Cabe a nossa Mandata ainda acompanhar e fiscalizar as políticas públicas conquistadas para garantir a vida e o bem estar dessas pessoas.

Além da Frente, em 2019, nossa Mandata realizou uma audiência pública sobre a situação das políticas públicas estaduais. Como desdobramento, protocolamos, no mesmo ano, um Projeto de Lei, que foi aprovado pela Alerj. A lei 9061/20 institui o Plano Estadual de Valorização da Vida; cria a Companha Setembro Amarelo; às pessoas LGBTI, bem como àqueles que vivem com o HIV/AIDS; e veda qualquer prática de discriminação ou preconceito para o seu pleno atendimento. Neste ano, foi apresentado o Projeto de Lei 5257/2021, que dispõe sobre a obrigatoriedade de iluminação na cor vermelha, durante o mês de dezembro, em prédios públicos da administração direta ou indireta do Estado do Rio de Janeiro, em referência à campanha de combate à AIDS.

Essas ações são fundamentais para que toda a luta contra a AIDS possa ter visibilidade e força no Estado do Rio de Janeiro, e para que pessoas que vivem com HIV/AIDS, possam gozar da vida sem preconceito e estigma. É uma disputa que se faz pela vida e pelo direito de viver.

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