Por Edna Jatobá – cientista social, coordenadora executiva do GAJOP
M
aria Clara D’Ávila – advogada da Assessoria Jurídica Popular do GAJOP

Apesar da segurança pública ser apontada como uma das principais preocupações da população brasileira, temos poucos espaços para que a sociedade civil, de fato, seja ouvida e participe efetivamente de decisões sobre as políticas públicas de segurança. Polícias, políticos e policiais políticos têm controlado a pauta e cerceado o debate, principalmente, aos segmentos mais atingidos pela violência: moradoras de bairros periféricos, jovens negros, povos e comunidades tradicionais, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, crianças e adolescentes.

O Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste surgiu com o intuito de enfrentar esse desafio de fazer um debate popular sobre a pauta, a partir das experiências e da realidade local de quem sofre, cotidianamente, com a violência e a ausência de garantia de direitos básicos. Neste sentido, realizou a primeira Conferência Popular Regional, com representantes dos nove estados do Nordeste, em Pernambuco, em 2019. E, após o hiato em razão da pandemia e da necessidade de ações emergenciais, fez sua segunda edição em agosto de 2023, na cidade de Teresina, no Piauí.

A escolha política de realizá-la em Teresina se deu em razão da necessidade do fortalecimento e visibilidade da luta das organizações locais. Maria Lúcia, líder comunitária e defensora de direitos humanos, acolheu as delegações dos estados no Centro Comunitário Sueli Rodrigues, seguido por um turismo comunitário em Boa Esperança, à beira do Rio Parnaíba. A comunidade há anos resiste às tentativas de gentrificação, mediante a expulsão e criminalização dos moradores. Maria Lúcia chamou atenção para o racismo ambiental sofrido pela comunidade, para a necessidade de políticas de reparação e para a importância dos movimentos de resistência e aquilombamento.

Nos meses anteriores à segunda Conferência, foram promovidos 54 encontros territoriais e pré-conferências, nos 09 estados do Nordeste, distribuídos em 47 municípios, intermediados por 92 organizações comunitárias, movimentos sociais, coletivos e núcleos de pesquisa, totalizando mais de 1.600 pessoas participando dos debates. Por meio desses Encontros, foram elaboradas centenas de propostas no campo da segurança pública, levadas para a Conferência Popular Regional.

As propostas foram produzidas e sistematizadas em torno de nove eixos: 1) Prevenção Social do Crime e da Violência; 2) Controle de Armas; 3) Violência Contra Crianças, Adolescentes e Jovens; 4) Sistema de Justiça Criminal; 5) Política de Drogas; 6) Direito ao Território; 7) Enfrentamento ao Genocídio; 8) Fortalecimento das Lutas e Movimentos Sociais; 9) Comunicação e Tecnologias. Todas elas partiram de princípios basilares com os direitos humanos, a participação popular e a auto-organização no centro da concepção de segurança pública.

Os debates da Conferência refletiram a dissonância entre as soluções que vêm sendo apresentadas por governos estaduais e federal para as cíclicas “crises” da segurança pública, que seguem apostando na intensificação de medidas de repressão e operações militarizadas de combate ao tráfico de drogas, envio de forças de segurança federais, compra de armamentos e viaturas, construção de novos presídios, etc. As propostas debatidas no Fórum Popular de Segurança apontam a urgência de inverter a lógica da expansão dos aparatos policiais militares para reconhecer e garantir políticas de reparação às populações historicamente violadas, à luz dos elementos estruturantes da desigualdade de gênero, de raça e de classe.

Entendemos que a prevenção social da violência se faz com garantia, em primeiro lugar, de políticas sociais, integradas às de acesso à moradia, saúde, educação, alimentação e bem-viver. Medidas como ampliação da iluminação pública e transporte nas comunidades aparecem como alternativas necessárias para essa finalidade. Segurança é ter espaços de lazer, arte e cultura, especialmente para crianças e adolescentes.

É urgente a criação de um plano de redução de violência letal praticada pela polícia, especificamente envolvendo tanto medidas para investigação e responsabilização de tais casos, quanto de prevenção e não repetição. Faz-se necessário também a extinção de políticas de bonificação por apreensão de drogas, que estimulam situações de arbitrariedades e violações de direitos, e que o Estado realize ações que prestem apoio às famílias das vítimas.

Políticas de segurança pública também precisam de produção de dados, com transparência, sobre casos de violência através de recortes de raça, etnia, sexo, identidade de gênero, orientação sexual, idade e aspectos socioeconômicos da população. Especificamente, estudos aprofundados para melhor compreensão da história e formação de organizações criminosas que atuam no Nordeste. Investir em políticas de resolução de conflitos, como núcleos de mediação, e não unicamente pela via do Estado Penal, que em nada ressocializa, mas ao contrário, perpetua torturas e violações nos presídios e fora deles.

Essas e demais propostas estão em fase de sistematização e serão enviadas aos governos estaduais do Nordeste e ao federal, na esperança de uma efetiva participação popular no debate e proposição de ações nas políticas de segurança pública. A pergunta que não cala é: quem dará ouvidos?

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