Por Beatriz Graeff e Wagner Moreira

Na última década, observamos um crescimento significativo no número de candidatos oriundos das forças de segurança nas eleições para o poder legislativo. Em 2018, impulsionados pela candidatura de Jair Bolsonaro, ex-capitão do Exército, foram eleitos 42 deputados federais com origem profissional nas polícias ou forças armadas, representando um aumento de 950% em relação ao número de eleitos em 2010.

Mantendo essa tendência, nas eleições de 2022, foram eleitos 44 deputados federais, 2 senadores e 57 deputados estaduais ligados às forças de segurança. Esse balanço foi realizado pelo Instituto Sou da Paz, membro da Rede Justiça Criminal, com base nas profissões que os candidatos informaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e considerou também candidatos que utilizam em seus nomes de urna patentes ou funções ligadas à segurança, como coronel, delegado ou agente.

Ao longo do tempo, houve uma mudança no perfil das candidaturas de policiais e militares, que de início estavam ligadas principalmente a pautas sindicais e corporativas e, mais recentemente, vincularam-se fortemente a uma pauta de costumes e ideológica bastante identificada com a direita e o bolsonarismo. Aumentos salariais, melhorias nas condições de trabalho e investimentos nas corporações deram espaço para a defesa do armamento da população e do excludente de ilicitude para mortes causadas por agentes da segurança e propostas de endurecimento penal como, por exemplo, a redução da maioridade penal.

Refletindo um contexto de maior apoio eleitoral a pautas populistas ligadas à segurança pública, observamos entre os policiais eleitos o fortalecimento de candidatos que construíram sua visibilidade pública através das redes sociais. Como exemplo de policial influencer que saiu vitorioso das urnas, podemos citar o Delegado Da Cunha, que responde a processo administrativo na Polícia Civil de São Paulo, acusado de simular a prisão de um suposto chefão do crime organizado para gravar um vídeo para seu canal no Youtube.

A espetacularização da violência e a exploração do medo e da insegurança como plataforma política por candidatos que se apresentam como representantes das forças de segurança é apenas uma das facetas do preocupante fenômeno que temos chamado de policialismo, entendido como uma politização exacerbada das polícias, com graves reflexos para a segurança pública.

Pode-se afirmar que a pauta armamentista foi eleitoralmente bem-sucedida nas eleições de 2022, ao menos para os cargos legislativos, e o PL foi quem melhor capitaneou esses louros eleitorais. A sigla elegeu cerca de 47% dos representantes da bancada da bala nas assembleias estaduais, com 27 deputados estaduais em 16 unidades federativas, e 50% dos que foram eleitos como deputados federais, perfazendo mais de ¼ de toda a bancada da sigla na Câmara Federal.

No pleito para as casas legislativas estaduais e distrital, das 27 unidades federativas, apenas Bahia, Maranhão e Sergipe não elegeram parlamentares da bancada da bala para suas assembleias. Todos estados da região Nordeste, que deu ampla vantagem eleitoral ao presidente eleito Lula, e que acena para uma política que possa reduzir os índices de letalidade na região, que possui dados alarmantes.

Importa salientar que a região Nordeste foi celeiro de importantes greves policiais, a exemplo das greves das polícias estaduais de 2000 (AL), 2001 (PE e BA), 2007 (CE), 2012 (BA) e 2020 (CE), além das greves de categorias federais em 2004 e 2012. Na última década, a região também concentrou a violência letal, tendo suas capitais ocupando o ranking das cidades mais violentas do país por anos seguidos.

Para exemplificar a mudança observada no perfil dos policiais eleitos, na Bahia o deputado estadual Marco Prisco, mais conhecido como Soldado Prisco, eleito como expoente do movimento grevista, não conseguiu seu terceiro mandato para a Assembleia Legislativa (ALBA). Ele perdeu espaço para o deputado estadual Capitão Aldém, que foi eleito em 2018 no “time” de Bolsonaro e, nesta eleição, conquistou uma vaga de deputado federal pelo PL, com forte influência nas redes sociais, como já citado acima.

O Maranhão é o único estado que não elegeu profissionais das forças de segurança para nenhuma casa legislativa, nem estadual, nem federal. Em contraponto, a região Sudeste elegeu em todos os estados um número elevado de parlamentares para a bancada, mais de 30% dos parlamentares estaduais e mais de 40% dos federais, o que demonstra a força da pauta na região e evidencia a forte polarização eleitoral. E pautas polêmicas estiveram presentes no discurso também dos candidatos a governadores nas eleições de 2018 e 2022, a exemplo de ampliação da excludente de ilicitude, e discursos de recrudescimento da violência policial, promessas de campanha que envolvem desmonte de iniciativas “inovadoras”, como o agenciamento político na disputa pelo governo de São Paulo em torno das câmeras no fardamento policial (bodycam).

Outro dado que impressiona é o número de policiais eleitos na região Norte, o que, ao nosso ver, reflete pautas como garimpo e extração de madeira ilegal, grilagem e ocupação de terras indígenas. Se, para o restante do país, a dificuldade de tirar armas de circulação é enorme, na região Norte esta realidade é ainda mais complexa, dada a dinâmica econômica estabelecida nos últimos quatro anos.

Ainda que as políticas de controle de armas sejam encaradas com seriedade pela próxima gestão, elas enfrentarão resistências. O armamento da população é uma bandeira fortemente defendida pelo bolsonarismo, dentro e fora do Congresso, e é uma das pautas que poderá ajudar a consolidar as posições do PL no campo da oposição ao Governo. A disputa em torno da implementação de uma nova política será capitaneada pela oposição, que exercerá sua resistência no parlamento e também nas redes sociais.

O perfil populista e ideológico que tem caracterizado a nova bancada da bala, somado a um Senado e Câmara mais conservadores, aponta para os desafios que estão postos para a próxima legislatura. Frente a esse cenário, continuaremos empenhados em apoiar a construção de uma política de segurança pública democrática e cidadã, focada na garantia de direitos e na melhoria da qualidade de vida da população.

Beatriz Graeff, antropóloga e coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz

Wagner Moreira, coordenador do IDEAS – Assessoria Popular e Mestre em Arquitetura e
Urbanismo