Eu preciso falar sobre o desfile da Portela
Que o desfile da Portela reverbere na luta contra o racismo e impulsione o protagonismo de pretos e pretas, como Ana Maria Gonçalves – a oitava mulher preta a ser publicada no país, em pleno ano 2000 -, que teve seu livro esgotado em diversas lojas após o Carnaval
O carnaval é o festejo mais emblemático do Brasil, e assume diversos significados no ideário popular, mas, hoje, vim falar do Carnaval como ferramenta de letramento e resgate identitário. Assisti estarrecido ao desfile da Portela, criado pelos carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga, inspirado no livro “Um defeito de cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves.
O livro é uma obra-prima, de nada menos que 952 páginas, na qual uma mulher negra conta – em primeira pessoa – a história de sua vida. E já quero começar pontuando isso: este livro faz com que uma mulher preta seja ouvida ao longo de quase mil páginas.
Ana Maria Gonçalves sabe o poder que isso tem e afirma – durante sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura – que: “ao contar a nossa história, a partir do nosso ponto vista – como protagonista, como narradora -, contamos a história oficial do Brasil. Reivindicamos esse papel que sempre foi assumido pelo homem branco: que fala sobre nós sem nos ouvir”.
E o protagonismo preto é a cadência do enredo da Portela. Na Avenida, a história diaspórica do nosso povo – arrancado de África – é contada através da relação entre uma mãe preta e seu filho. Sob a figura dessa mãe-potência, a humanidade – muitas vezes negada a nós – inunda a Sapucaí.
Kehinde é o retrato de muitas mulheres pretas que, apesar das privações e das violências sofridas, se levantam e se reinventam, choram, mas também sorriem. E lutam. A protagonista tem sua vida marcada pela separação violenta de seu filho, que foi vendido como escravo. Marca essa, também, carregada por muitas mães pretas que perdem seus filhos para a violência, como: Marinete Silva, mãe da vereadora Marielle Franco; Jaqueline Oliveira, mãe de Kathlen Romeu, e outras 14 mães que ocuparam o último carro alegórico da Portela. Afinal, 78% das pessoas mortas por armas de fogo no Brasil são pretas – segundo o Instituto Sou da Paz.
Que o desfile da Portela reverbere na luta contra o racismo e impulsione o protagonismo de pretos e pretas, como Ana Maria Gonçalves – a oitava mulher preta a ser publicada no país, em pleno ano 2000 -, que teve seu livro esgotado em diversas lojas após o Carnaval.
Essa celebração não apenas enaltece a cultura negra, mas também serve como um lembrete poderoso das lutas e conquistas da comunidade afro-brasileira ao longo dos séculos. É uma afirmação de identidade e resistência, e o desfile da Portela, ao revisitar essas narrativas, assume um papel crucial na conscientização e na promoção da igualdade racial. Que essas reflexões e ações se estendam para além do Carnaval, permeando nossa sociedade e transformando-a em um lugar mais justo e inclusivo para todos.