Vovô viu a Vulva! Por que uma vagina ainda é capaz de causar tanto escândalo?
Por que o espanto, quando representações de pênis e vaginas fazem parte obviamente da história da arte? Leia mais sobre a polêmica em torno da obra intitulada Diva, da pernambucana Juliana Notari.
Tive o prazer de conversar com a artista pernambucana Juliana Notari no programa da Revista Forum no Youtube sobre a polêmica em torno da sua obra intitulada Diva. A obra “escandalosa” de Juliana Notari que está polemizando nas redes é essa lindíssima representação de uma vagina, misto de ferida aberta e flor de 33 metros, escavada na terra e feita para a Usina de Arte, na Zona da Mata, em Pernambuco.
A instalação questiona a cultura falocêntrica, traz questões de gênero, de arte pública, de nossa relação com a terra, etc., diz Juliana. Por que o espanto então, quando representações de pênis e vaginas fazem parte obviamente da história da arte?
A nudez masculina e o falo estão em milhares de obras, estátuas, quadros, escultura, mas não “chocam”. As vaginas nas revistas “para homens” nunca incomodaram também, nem nos filmes pornôs. Então onde está o incômodo?
Na expressão e representação feita pelas mulheres e sem visar o olhar ou o desejo masculinos? Na falta de repertório e formação estética?
Achei que o último escândalo com uma vagina fosse ficar na maravilhosa obra A Origem do Mundo de 1866, de Gustave Courbet, que justamente mostrava uma vagina escancarada e realista, uma visão em close da vagina de uma mulher deitada em uma cama com as pernas abertas.
Mas não, em 2021 ainda temos esses surtos de moralismo e desinformação. Lembram do escândalo produzido pelo MBL com a exposição do Queer Museu em 2017? Quando histeria e fake news tomaram conta das redes sociais e o banco Santander encerrou a mostra que abordava questões de gênero e de diversidade sexual. Depois a mesmíssima exposição foi exibida sem nenhum escândalo e vista por milhares de pessoas no Parque Lage em 2018, no Rio.
Agora vamos ver outros moralismos fora de lugar: a artista foi questionado por celebrar (pois essa linda obra é uma celebração) uma vagina feminina, de uma mulher cisgênero, como se estivesse negando as mulheres trans que não têm vagina ou têm outros orgãos! Oi?
Não seria mais importante perguntar como dar visibilidade a artistas trans? Que possam representar os mais diversos órgãos genitais como bem quiserem? Uma obra de arte não pode resolver todos os problemas de preconceito e desigualdades do mundo.
Outra cobrança a meu ver extemporânea é acusar a artista por empregar trabalhadores da região da Zona da Mata, homens negros e não negros para realizar a obra de uma artista branca.
A questão é importante mas extrapola a cena da arte. Temos que questionar sobre quem troca o ladrilho e pinta as nossas casas, os que erguem os centros culturais chiques que frequentamos, questionar o racismo e desigualdade que expressam nos que preparam a comida nos restaurantes ou fazem o trabalho doméstico nos apartamentos e casas, etc.
Realmente é chocante que sejam sempre esses homens e mulheres empobrecidos e negros que erguem as obras mais importantes da nossa sociedade e os mais mal remunerados e reconhecidos.
O sistema da arte também está assentado em exploração, racismo e desigualdade e terá sim que mudar junto com as mudanças que queremos. E sim esse é um choque necessário! E sim o mundo das galerias e museus é elitista e branco e tem que enegrecer, para que vejamos outras representações e expressões.
E para não dizer que são apenas os conservadores e bolsonaristas que censuram e se chocam com obras como a da vagina esplendorosa de Juliana Notari, o jornal britânico The Daily Mail cobriu com “pixels”, borrando a imagem!
Ou seja, o moralismo nas mais diferentes vertentes é a coisa mais bem distribuída no século XXI e é a maior plataforma do atual obscurantismo político e sustenta uma guerra cultural e uma cruzada contra a cultura, a liberdade, contra os corpos!
Estamos vendo essa guerra cultural desde o “kit gay” que ganhou as eleições com Bolsonaro.
Quanto mais mostrar, debater, e rebater as questões dos corpos, da sexualidade, dos gêneros, mais cedo saímos desse atoleiro mental. Viva as Vulvas!