Uma semana de cão para Bolsonaro
Acantonado desde o início, Bolsonaro observa se esvair a sua única tática eficiente até aqui: a da cortina de fumaça
Mais uma semana e o governo Bolsonaro não consegue sair das cordas. Acantonado desde o início, observa se esvair a sua única tática eficiente até aqui: a da cortina de fumaça, dispersa por sua guerrilha digital, cujo prazo de validade já expirou.
A recomendação presidencial, externada pelo porta voz Otávio Rêgo Barros, para que os quartéis comemorem o Golpe Militar de 1964 nesse domingo, dia 31 de Março, sofreu duro rechaço da imprensa, da sociedade civil organizada, de vítimas da ditadura e do MPF, que recomendou às Forças Armadas de, ao menos, 18 estados brasileiros que se abstivessem de adotar qualquer ato comemorativo, sob pena de grave violação à Constituição Federal e a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Em caso de descumprimento, o MPF alerta que as responsabilidades serão apuradas e as devidas sanções disciplinares, aplicadas.
A reação contrária foi tamanha que obrigou o presidente a recuar (mais uma vez!): dias depois, ele afirmou que não se tratava de “comemorar” e sim de “rememorar”.
No Congresso Nacional, o governo sofreu duros revezes. A começar pela ampliação do caráter impositivo das emendas parlamentares ao orçamento, na contramão do que deseja o ministro Paulo Guedes (Economia) e sua proposta de descentralização, desvinculação e desindexação completa das receitas de União. É a segunda derrota do governo em votações no Congresso nesses três meses. A primeira foi a aprovação de um decreto legislativo que anulou os efeitos de um decreto governamental que alterava regras de transparência de documentos oficiais.
Tal medida é mais um capítulo da contenda entre Rodrigo Maia (DEM) e Jair Bolsonaro (PSL), que vem ocorrendo desde a viagem presidencial ao Chile. Maia, que já havia rebaixado o ministro Sérgio Moro à condição de “funcionário de Bolsonaro”, dito que o governo é um “deserto de ideias” e que o presidente precisa “governar mais e twittar menos” – além de atribuir a ele a responsabilidade por conseguir os votos necessários para aprovar a reforma da Previdência – teria se manifestado mais uma vez.
Após Bolsonaro insinuar, em entrevista televisiva, que Maia estava abalado por problemas pessoais, numa referência à prisão de Moreira Franco, padrasto de sua esposa, Maia, em dura resposta, teria dito que “abalados estão os brasileiros, esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões abaixo da linha da pobreza e o presidente brincando de presidir o Brasil”. E completou: “está na hora de parar a brincadeira”.
Ainda no Congresso, Paulo Guedes (Economia) suou a camisa na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Sua declaração de que, se a reforma da Previdência não for aprovada ele sairá do governo soou como uma ameaça e não caiu bem perante os parlamentares.
Na Comissão de Relações Exteriores (CRE) da Câmara dos Deputados, o ministro Ernesto Araújo levou duras reprimendas dos psolistas Sâmia Bomfim e Glauber Braga, diante de suas polêmicas declarações de que “o nazismo foi um regime de esquerda”. Todo historiador, independentemente de suas convicções teóricas e ideológicas sabe que o nazismo foi de extrema direita. Além disso, nos próximos dias, é provável que o Congresso anule o decreto governamental que dispensou americanos, japoneses, canadenses e australianos de visto para ingresso em nosso país.
Por sua vez, o ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) também passou por maus bocados. Afirmou, em audiência pública no Senado, de que seria melhor “desistir” de seu projeto de lei anticrime do que retirar da proposta a parte que fala sobre corrupção. Em resposta, ouviu – e teve de concordar – que a prioridade será dada para tramitação de projeto similar ao seu, de autoria de um de seus antecessores na pasta, o hoje ministro do STF, Alexandre de Moraes.
Já o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), em audiência na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, foi alvo de protesto de civis por motivos diversos, dentre eles, a inclusão de novos medicamentos na lista do SUS.
Mas, foi na Educação que o governo colecionou as maiores bordoadas da semana. O ministro Ricardo Vélez Rodrigues protagonizou mais uma meia dúzia de episódios vexatórias, prática recorrente nesses três meses.
O pedido de demissão da secretária de Educação Básica do MEC e a exoneração do presidente do FNDE se somaram a uma desastrosa participação do ministro em uma audiência pública na Comissão de Educação da Câmara, onde ele foi submetido a questionamentos simples que deixou sem resposta, com destaque para a fala da deputada Tábata Amaral (PDT/SP).
Com as saídas da secretária de Educação Básica e do presidente do FNDE, já são 15 as exonerações no primeiro escalão do MEC. Três secretários executivos já passaram pela pasta.
Foi da presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação – CONSED, que congrega todos os secretários estaduais de Educação do país, a manifestação mais dura. Em matéria do jornal Valor Econômico ela, que é secretária de Educação do Mato Grosso do Sul, governado por Reinaldo Azambuja (PSDB) – um governo, em tese, alinhado com Bolsonaro, disparou: “o MEC não tem comando”.
Quando chega ao ponto da presidente do CONSED, órgão extremamente diplomático e que reserva suas manifestações públicas apenas para problemas específicos ou questões eminentemente técnicas atinentes a relação dos Estados com o MEC, se manifestar dessa forma, é porque a situação está feia de verdade.
Jornalistas ligados a veículos de imprensa que não escondem sua preferência editorial pelo pensamento econômico liberal e pela ideologia política de direita, que torcem pela aprovação da reforma da Previdência, já utilizam expressões como “apagão político-gerencial” e “ardência a céu aberto”. Tudo isso acontecendo e o presidente indaga a um servil Datena: “O que tenho feito de errado?”
A resposta é evidente. O governo Bolsonaro está derretendo! E não é só por conta dos atrapalhos ou do envolvimento da Famiglia com milícias, com o laranjal do PSL, com funcionários fantasmas de seus gabinetes parlamentares e demais crimes supostamente por eles cometidos. E tampouco por conta da falta de modos e de respeito na relação institucional deles para com o Congresso Nacional. Ele está derretendo pelas beiradas, em razão da imobilidade que se instaurou nos ministérios.
Não é só no MEC, como está refletido nas declarações da presidente do CONSED. Salvo raras e honrosas exceções, está tudo travado, parado, em toda a Esplanada.
Das duas, uma: ou o Governo é, de fato, completamente inepto para o mister de governar; ou o presidente, ao lançar mão de suas milícias digitais – sua tropa de choque do mal, comandadas pelo “reichmarshal virtual” Carlos Bolsonaro – para tentar jogar a culpa pelo insucesso do governo no Congresso e no STF – está flertando com medidas autoritárias e contra-democráticas.
Fico com as duas hipóteses: o presidente da República já sente esse derretimento, decorrente do imobilismo do governo e vem testando as condições para a tomada de medidas estranhas à democracia. A exaltação ao Golpe de 64 e a tentativa de criminalizar o Congresso Nacional, refletida na “arenga” com Rodrigo Maia, em torno da reforma da Previdência, seriam partes disso.