2024 encerra uma década de desafios, lutas e frustrações para a educação pública brasileira. O balanço do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 é alarmante: quase 90% das metas não foram cumpridas. O que avançou mais explicitamente já estava em curso antes mesmo do plano. Na prática, o Brasil falhou em cumprir o direito constitucional à educação pública e de qualidade.

Esse cenário se apresenta em meio a um momento delicado da democracia brasileira, de construção de uma frente amplíssima para enfrentar a derrocada do bolsonarismo que, a despeito de ter vencido a eleição, não tem olhado nos olhos a necessidade de construção de um Estado forte e garantidor de direitos. Alguns direitos, inclusive, têm sido negociados, entre eles a educação. 

É o que se vê em propostas neoliberais de um novo novo ensino médio; em políticas de educação e tecnologia rasas e despreocupadas com direitos digitais e com ameaças graves da Inteligência Artificial (IA); em políticas de austeridade que ameaçam cortar na carne do principal Fundo para a Educação Básica e maior conquista dos últimos anos, o Fundeb. Agravante é o cenário dos governos subnacionais, com militarização e privatização de redes inteiras de educação, entregando nossas escolas e nossas juventudes nas mãos de homens de coturno forjados sob autoritarismo e sob o lucro daqueles que rifam as dores de pessoas enlutadas em cemitérios. São notícias e mais notícias que nos pegaram no estômago, todos os dias, neste 2024. 

E o ano que vem não será mais fácil, pelo contrário. Precisaremos rasgar esse amálgama miserável ao qual a educação está entregue e reivindicar os princípios mais básicos de civilidade, de direito e da preciosa função da educação para a sociedade. Trago aqui alguns mergulhos nestas profundezas, com o intuito de colocar luz aos nós e de fortalecer os movimentos a seguir.

O novo ensino médio: avanços tímidos e vigilância necessária

As expectativas para o “novo novo” ensino médio são marcadas por avanços tímidos e preocupações persistentes. A aprovação do PL nº 5.230/2023, resultado da pressão social, representa uma “reforma da reforma”, corrigindo parcialmente os problemas do Novo Ensino Médio (NEM), criado pela Lei nº 13.415/2017.

O NEM foi criticado por aumentar desigualdades, segmentar o ensino médio e oferecer itinerários formativos superficiais, prejudicando especialmente os estudantes mais pobres das redes públicas. A nova proposta, após muita pressão dos movimentos educacionais, notadamente do Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade e da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), trouxe melhorias, como a ampliação da Formação Geral Básica (FGB) para 2.400 horas, a obrigatoriedade do ensino de espanhol e restrições ao uso de Educação a Distância (EaD). Contudo, mantém retrocessos, como a diferenciação de carga horária no ensino técnico e parcerias com instituições privadas, abrindo espaço para privatização e mercantilização, e a insegurança sobre a garantia de disciplinas cruciais para a formação cidadã e crítica, como sociologia e filosofia.

Além disso, a aprovação atropelada na Câmara, sem amplo debate público, expôs o desrespeito aos processos democráticos e à voz dos sujeitos da educação. Persistem ainda outros desafios como o enfraquecimento da FGB, a segmentação curricular e a falta de investimentos em infraestrutura e valorização docente. Ainda predomina uma forte agenda elitista para a educação profissional que não apoia a mobilização 6X1, mas a proposta “temerista” da manutenção do sistema de exploração dos trabalhadores.

A implementação das mudanças em 2025 – e o debate sobre o Ensino Médio no novo Plano Nacional de Educação – exige rigor e vigilância social para garantir que os direitos dos estudantes sejam respeitados. A luta por um ensino médio público, inclusivo e de qualidade deve continuar, assegurando o pleno acesso ao conhecimento científico, cultural e ao desenvolvimento integral como pilares para a construção de um país mais justo e democrático.

Militarização escolar: uma ameaça autoritária

A militarização da educação básica é uma das faces mais preocupantes do cenário educacional brasileiro. O julgamento da ADI nº 7662 no STF, que questiona o programa Escola Cívico-Militar em São Paulo, para o qual entidades como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação se habilitaram como amicus curiae, expõe o risco da imposição de práticas autoritárias nas escolas públicas – e não só em São Paulo: a militarização das escolas no Brasil cresceu 344% nos últimos seis anos, afetando diretamente cerca de meio milhão de crianças e adolescentes em 23 estados e no DF.

Além de violar os princípios constitucionais de gestão democrática, a militarização desvia recursos públicos: enquanto um professor temporário em São Paulo ganha R$ 5 mil, policiais militares da reserva recebem entre R$ 6,3 mil e R$ 9,4 mil para atuar nas escolas.

As alegações de melhora nos indicadores educacionais nas escolas militarizadas são falaciosas. Estudos mostram que essas instituições já apresentavam melhores infraestruturas e resultados antes da militarização, além de realizarem seleções e cobrarem taxas, excluindo estudantes mais vulnerabilizados. A militarização, portanto, é um projeto político que disputa as classes médias e mina o paradigma democrático de 1988. Já passou da hora de acabar – junto com o fim da polícia militar. Esse seguirá sendo um ponto de pauta quente para 2025.

A privatização como ameaça ao direito à educação

O avanço da privatização da educação pública é um processo preocupante em diversos estados, com especial e triste destaque para os casos de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Sob o discurso de modernização, a política educacional tem sido entregue à lógica privatista, resultando na precarização das condições de ensino e no aumento das desigualdades e violações.

A monetarização dos serviços educacionais onera os cofres públicos e submete a educação aos interesses do mercado que, os fatos históricos mostram, não correspondem a melhorias na oferta de serviços. Como exemplo, os apagões de energia sob responsabilidade da ENEL em São Paulo ilustram como a privatização precariza serviços essenciais, deixando estudantes e comunidades desassistidas.

E, neste ano, vimos cenas deploráveis de entrega de escolas a empresas de gestão de cemitérios, em São Paulo, e a grandes tubarões que levam empresas à falência, como Jorge Paulo Lemann, no Paraná. É a política de morte e de falência para a escola pública. É, infelizmente, uma política altamente contagiosa entre os donos do grande capital e não vai parar se não virarmos a mesa e a pararmos.

Justiça climática: a educação como eixo estratégico e a ameaça do lobby do agronegócio

Reportagem investigativa da Repórter Brasil mostrou que a organização De Olho no Material Escolar (Donme), com apenas três anos de atuação, vem ganhando espaço em instituições públicas e fechando parcerias estratégicas, como com a USP, secretarias estaduais e o Congresso Nacional, visando influenciar o novo Plano Nacional de Educação (PNE). No entanto, a Donme é amplamente financiada por grandes empresários do agronegócio e representantes como a Croplife Brasil e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), ligada a corporações como JBS, Cargill e Itaú BBA.

Apesar de afirmar que promove conteúdos equilibrados e científicos, a organização veicula materiais que negam dados críticos, como o Brasil ser o maior consumidor mundial de agrotóxicos – uma realidade confirmada pela FAO, que aponta mais de 12 kg/ha de pesticidas aplicados no país, muito acima de outros líderes agrícolas. Além disso, a Donme minimiza a responsabilidade da pecuária pelo desmatamento da Amazônia e nega a existência de trabalho escravo na cana-de-açúcar, mesmo com 1.105 trabalhadores resgatados nos últimos quatro anos. 

Essa e outras organizações que mapeei em artigo para Congresso da Associação Brasileira de Ciência Política, com Marcele Frossard, têm feito um lobby fortíssimo para influenciar políticas educacionais – como o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Programa Nacional do Livro Didático e o Enem – e participou na Comissão de Educação da Câmara, sob Nikolas Ferreira, dos primeiros debates da casa ao redor do novo Plano Nacional de Educação.

Paralelamente, a COP-30, que ocorrerá em Belém em 2025, destaca a Amazônia como um pilar essencial no equilíbrio climático global. A educação ambiental emerge como ferramenta central para enfrentar a crise climática e promover justiça socioambiental. Propostas por nós defendidas no Eixo VII da CONAE 2024, como currículos sustentáveis, formação docente interdisciplinar e valorização de saberes tradicionais, precisam ser incorporadas ao PNE e defendidas internacionalmente na COP-30.

O Brasil deve aproveitar essa oportunidade para priorizar a educação ambiental como política de Estado, integrando sustentabilidade, ciência e justiça social. É fundamental romper com a lógica que separa políticas educacionais e climáticas, colocando uma separação entre interesse público do direito à educação e o interesse privado de setores como do agro, e garantindo um futuro mais justo e sustentável para as populações mais vulnerabilizadas, as principais protetoras dos recursos naturais.

A Educação Inclusiva sob ameaça e a persistência das desigualdades educacionais

O Brasil segue convivendo com desigualdades estruturais de raça, gênero, classe e território. Crianças, adolescentes e jovens negros, indígenas e quilombolas enfrentam as maiores barreiras para acessar e permanecer na escola e na universidade, especialmente nas regiões Norte e Nordeste e nas zonas rurais. Em estados como Acre, Pará e Rio Grande do Norte, os indicadores educacionais seguem alarmantes.

O racismo estrutural se reflete na desigualdade de acesso às creches: enquanto 47% das crianças brancas são atendidas, apenas 37% das crianças pardas têm acesso a essa etapa. Meninos negros, em especial, são os mais excluídos do ensino médio, e a evasão escolar está diretamente ligada ao trabalho precoce e à vulnerabilização social.

Já no ensino superior, apesar do sucesso da Política de Cotas, a inclusão plena das populações negras ainda é um desafio. Além disso, a invisibilização de grupos vulnerabilizados, como indígenas, quilombolas e migrantes, reflete-se na ausência de dados e políticas públicas específicas. Seguiremos junto de movimentos sociais na construção de uma educação antirracista e trabalhando para que o novo PNE o seja também.

No campo do gênero, o desafio é duplo: meninas enfrentam defasagem crescente no acesso às creches e lutam para dividir seu tempo de estudo entre trabalho doméstico infantil e a escola, enquanto os meninos são os mais afetados pela evasão escolar no ensino médio, em meio à violência que os toca, inclusive aquela promovida pelas forças do Estado. Paralelamente, a população LGBTQIAP+ segue alvo de discriminações e violências, agravadas pela exclusão dos debates sobre gênero e orientação sexual na proposta inicial do novo PNE enviada pelo MEC ao Congresso.

A educação inclusiva, garantida pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) de 2008, enfrenta retrocessos. A homologação do Parecer nº 50/2023, mesmo suavizado após pressão social, ainda representa riscos à inclusão, ao sugerir diretrizes que podem abrir espaço para práticas segregacionistas baseadas em uma visão capacitista e no modelo médico da deficiência.

Além disso, a falta de dados atualizados é um problema crônico. O último censo abrangente sobre crianças com deficiência data de 2010, e o pareamento com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que ajudaria a identificar as demandas reais, não ocorre desde 2017.

É urgente reforçar o direito à educação inclusiva com investimentos em infraestrutura, acessibilidade, formação continuada de professores e monitoramento efetivo, garantindo o protagonismo das pessoas com deficiência e suas famílias na formulação de políticas públicas.

Violência nas escolas: um reflexo das desigualdades sociais e do abandono do Estado

A violência nas escolas expõe a realidade brutal enfrentada por crianças e adolescentes em territórios periféricos no Brasil, onde a violência estatal, a falta de políticas sociais e as desigualdades comprometem o direito constitucional à educação. Operações policiais e o abandono do Estado resultam em medo, evasão escolar e perda de oportunidades educacionais.

O relatório do Grupo de Trabalho sobre Violência nas Escolas, coordenado por Daniel Cara e com participação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, destaca o caráter multicausal do problema, marcado por racismo estrutural, misoginia e desigualdade social. Para enfrentar esse cenário, é fundamental promover a gestão democrática e acolhedora nas escolas, com espaços de mediação de conflitos, diálogo e integração comunitária que fortaleçam as relações dentro e fora do ambiente escolar. Além disso, é necessário valorizar os profissionais da educação, garantindo formação adequada, apoio estrutural e condições dignas de trabalho para lidar com contextos tão desafiadores.

Outra medida crucial é a expansão de políticas de saúde mental, fortalecendo a rede de atenção psicossocial, como de CAPS, para oferecer suporte adequado a estudantes, profissionais da educação e comunidades impactadas pela violência. A violência escolar também exige uma abordagem intersetorial que integre educação, lazer, cultura e políticas sociais, combatendo as raízes das desigualdades e oferecendo oportunidades reais de desenvolvimento para as juventudes das periferias. O relatório ainda ressalta a necessidade de regulamentar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE) e responsabilizar plataformas digitais pela circulação de conteúdos extremistas, que ampliam os ataques e a desestabilização do ambiente escolar.

Combater a violência nas escolas exige enfrentar suas causas estruturais: desigualdades sociais, ausência de políticas públicas e extremismo. E é mais um tema que segue para 2025 com força, dado que o Congresso, ao contrário do que apontam os especialistas no relatório, tem tentado aprovar projetos que transformam escolas em presídios. A solução passa por investir em educação pública de qualidade, criando ambientes escolares seguros, fortalecendo espaços comunitários e promovendo inclusão social. Violência não se resolve com mais violência, mas com direitos garantidos, oportunidades reais e o compromisso do Estado em garantir educação e dignidade a todas as crianças e adolescentes do país.

Os grandes da tecnologia abocanhando a educação a passos largos enquanto se discute proibir celular nas escolas

O debate sobre tecnologia e educação no Brasil vai muito, mas muito, muito mesmo além do uso de celulares nas escolas, exigindo soluções estruturais. A integração das ferramentas digitais ao processo educacional não pode ser feita de forma superficial ou excludente; é preciso abordar questões estruturais como conectividade significativa, equidade de acesso, qualidade pedagógica dos recursos e proteção de dados, respeitando os direitos humanos e a autonomia das escolas e dos estudantes.

A infraestrutura é um problema crítico: muitas escolas públicas carecem de eletricidade estável, conectividade de qualidade e dispositivos adequados, agravando as desigualdades. É fundamental investir em banda larga de qualidade, programas acessíveis de conectividade (como o zero rating) e Recursos Educacionais Abertos (REA), garantindo autonomia tecnológica e afastando a dependência de grandes empresas privadas, como Google e Microsoft, que frequentemente desrespeitam a LGPD – para dizer o mínimo.

A regulamentação da IA na educação deve seguir princípios éticos de equidade e inclusão, envolvendo educadores e estudantes no desenvolvimento de soluções que complementem o ensino sem ampliar exclusões. A alfabetização digital e midiática deve ser prioridade para capacitar estudantes a navegar criticamente no universo digital.

Nada disso está plenamente previsto pelas políticas atuais do governo federal e, muito menos, pelas redes subnacionais, a despeito de uma série de tentativas de diálogo e de apoio por parte de pesquisadores e da sociedade civil, como a Campanha, nos últimos anos, para fazer avançar essa perspectiva. A governança democrática e a participação social no desenvolvimento das políticas tecnológicas são essenciais. Compromissos como os do G20 – que foi além, pasmem, do próprio MEC –, que pedem regulação do setor privado e uso ético das tecnologias, precisam de acompanhamento rigoroso.

Por fim, a tecnologia deve ser uma ferramenta de justiça social e educacional, e não um vetor de exclusão. Políticas para 2025 devem priorizar financiamento adequado, conectividade significativa, soberania tecnológica e proteção de dados, assegurando que todos os estudantes tenham acesso a recursos educacionais seguros e inclusivos. Precisaremos inserir esse debate no novo PNE, porque a despeito de ter sido pautado na Conae, o nosso governo o ignorou no texto do novo Projeto de Lei.

Educação pública: o futuro depende da nossa luta

A educação brasileira está sob ataque, mas também é um território de resistência. Militarização, privatização, austeridade fiscal, lobby empresarial e omissão estatal têm imposto retrocessos que ameaçam o direito à educação pública, democrática e de qualidade. A história nos mostra, contudo, que nenhuma conquista foi cedida sem luta.

Em 2025, o debate sobre o novo Plano Nacional de Educação será o palco de disputas cruciais que definirão o futuro da educação e, com ele, o futuro do país. Diante da emergência climática, das desigualdades estruturais e das transformações tecnológicas, precisamos reivindicar um PNE corajoso, que enfrente o racismo, as exclusões de gênero e classe, as desigualdades regionais e a captura da educação pelos interesses privados.

É hora de garantir financiamento adequado, combater a militarização e a privatização das redes, exigir políticas de inclusão reais e enfrentar os gigantes da tecnologia, defendendo a soberania digital e a proteção dos dados. A educação deve ser uma ferramenta de justiça social e ambiental, centrada em sujeitos críticos, capazes de transformar a sociedade.

A batalha será dura, mas nossa voz coletiva pode virar o jogo. Precisamos ocupar as ruas, os debates públicos, o Congresso e todas as instâncias de decisão para fazer da educação uma prioridade nacional, inegociável e protegida contra os interesses que a destroem.

Defender a educação é defender o futuro do Brasil. Que 2025 nos encontre mobilizados, vigilantes e determinados a construir uma educação pública forte, inclusiva e de qualidade, capaz de formar sujeitos que farão deste país um lugar mais justo, democrático e sustentável. A luta é agora, e o direito à educação precisa vencer.